Cancel Preloader

HISTÓRIA

História da Medicina Veterinária

Escrito por Fernando Marques (Médico Veterinário)

A guia do prólogo

Num lote de velhos alfarrábios, já um tanto amarelecidos e delidos pelo tempo – que por herança nos veio parar às mãos – encontramos ao acaso um, cuja portada nos esclarecia ser Thesouro dos Lavradores e nova alveitaria do gado vacum, purificado (sic) no crysol da caridade pela experiência do Lavrador António Dias Ramos, natural da freguesia do Zambujal, termo de Redondoo qual (também refere o frontispício), teria sido impresso em Lisboa no ano de 1762, “com todas as licenças necessárias.” (fig 1).

Trata-se de um volume de 400 páginas – do qual igualmente nos dão notícia trabalhos sobre o assunto os Professores Joaquim Fiadeiro e Idalino Gondim – dividido, conforme acrescenta o autor, em quatro livros, a saber “no primeiro se declara a antiguidade e nobreza da Agricultura e dos professores dela, e de várias espécies de rezes, com sua anatomia. No segundo as quarenta e sete enfermidades que Manuel Martins Cavaco traz na sua arte (fig. 2) com uma glosa e cada uma (entre as quais – cfr. 3 – figuram a “rez douda” e a “rez danada”, “nihil novi”…). No terceiro, quarenta e oito capítulos de enfermidades, acrescentados de novo, de que Cavaco não deu notícia. O quarto se divide em dous tratados, o primeiro de várias perguntas e respostas mui curiosas, pertencentes à arte, o segundo da virtude, e qualidade dos simplices “(ou seja, como se sabe, das drogas que entram na composição dos medicamentos)“.

historia_medicina_verinaria_021-179x300
Fig. 1
historia_medicina_verinaria_03
Fig. 2

Do folheio da obra, ainda que apressado – dado que, embora vivamos rodeados de máquinas para poupar o tempo acabamos, paradoxalmente, por não o ter … – surdiu, ao menos, a virtude de catapultar o espírito em duas direcções, aliás simbióticas: de um lado a invocar os manes para que façam emergir da classe, quem, com tempo e pachorra, venha a traçar mais de espaço a nossa história, naturalmente daquela que decorreu intra-muros, coligindo o disperso e, sobretudo, prosseguindo a busca, para além dos registos já publicados: o do Professor Godim, em 1937, in “Índice dos Autores Veterinários Portugueses, ou do Professor Fiadeiro no “Boletim Pecuário“, edições de 1940 a 1943, ou do Professor Miranda do Vale, em 1952, in “História da Sociedade Portuguesa de Medicina Veterinária“, ou, por último na grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, ou, ainda, por meu irmão Paulo, na Enciclopédia Verbo.

(É evidente que, à partida, não se exige que a obra tenha o fôlego, por exemplo, da “História da Veterinária Espanhola” do Professor Sanz Egaña, em que o autor, segundo nos informa no preâmbulo, consumiu nada menos de trinta anos de busca e na rebusca de elementos por cantos e recantos, vasculhando até à exaustão os escaninhos para a dar a lume, mas sirva, ao menos, para referir mais por miúdo os marcos que nos vem balizando a jornada).

Por outro lado, o breve encontro com o “Thesouro dos Lavradores” teve igualmente a virtude de fazer soar o tiro da largada para partirmos à cata de velho e revelho caderno de anotações que sabia existir algures, a monte, coligidas em tempo de menino e moço, colegial ainda da Gomes Freire, afim de dar provisão ao convite adrede formulado, ou melhor: à ordem em nome da Ordem, neste caso personificada pelo colega Fontes e Sousa, para assentar, por hoje, arraiais nas laudas do nosso Boletim, servindo-me de bordão, já que homiziado como me encontro nesta terra da “saldedida que jaz encontro ao mar até Insoa” de todo me falecem as fontes de consultadoria.

Assim, pondo de lado, por despiciendo, ainda que paralelos sejam os percursos, a parte que nos apontamentos “subjudice” se afadiga a traçar o itinerário da Medicina humana através das idades, passemos então sem mais delongas, à letra de forma a que se consagra propriamente, no tempo e no modo, ao múnus veterinário.

historia_medicina_verinaria_04
Fig. 3
Respeitando os contornos do palimpsesto, adiante reproduzido, senão no hábito externo, quer dizer na letra, pelo menos na sua essência ou conteúdo, tirante algumas adendas ocasionalmente forrageadas ao longo de uma não curta carreira – sobretudo por inacessíveis serem as fontes, mas também para que este apontamento mostre, ao menos, uma réstia de originalidade e não redunde na transferência simples e pura dos citados registos, sem embargo, – já que a história não se inventa – de existirem entre si pontos ou linhas de contacto. Mais: tudo o que se passa a informar peca, necessariamente, por carência de elementos e, porventura, aqui ou ali, de algum rigor. Sejam-nos relevadas, por isso, as incorrecções (nomeadamente, no que respeita a onomástica de alguns personagens vindas à ribalta) por acção ou omissão involuntariamente cometida, e das quais nos penitenciamos.

Notas preliminares

Tão antiga, certamente, como a sua irmã humana – pois as origens das duas se perdem na noite dos tempos – é ponto assente que os primórdios da medicina animal são coevos da domesticação das espécies e que surgem manifestamente da necessidade do homem agasalhar o gado, procurando arredar as causas possíveis de pôr em perigo um bem amanhado com tanto labor e canseira, evidentemente por dele carecer para seu sustento e resguardo, lavrança das terras e movimentação das cargas, ou, ainda, de meio de locomoção nas suas andanças.

Daqui se retira que, numa época de activa pastorícia como aquela, ninguém melhor que os pastores, condenados, digamos, a viver em contacto permanente com os animais, estaria em condições de cotejar observações próprias ou alheias, e com vagar para sobre elas reflectir e tirar, daí, conclusões sobre os mistérios da vida, da doença e da morte.

Outra razão ocorreu porém, no arco do tempo, para fazer dos zagais interlocutores válidos das gentes, escutados arautos do sulco rasgado pela arte e ciência médico-veterinária no seu lento evoluir. Respeitados entre os demais, não só pelo poder e prestígio que lhes advinham dos meios materiais de que dispunham (ontem, afinal, como hoje…), mas ainda pelo relativo grau de instrução que possuíam, ocupavam na sociedade de então cimeiro lugar.

O pastor – chefe do clã – seria, para além de categorizado indivíduo, geralmente já veterano, que pode levar, de facto, a admitir, o étimo latino “veteranus” (de “vetus“, velho) esteja na origem do termo veterinário, ainda que outros sustentem – para cada um sua verdade… – proceder, antes, de “vehere“, que no baixo latim significa acarretar (de “vehe“, veículo), ou talvez melhor de veterinajumenta, ou “veterinus“, animal de carga ou de tiro, também ele, por via de regra veterano e seu zelador apelidado de “veterinarius“. Ao que parece, o primeiro a fixar o termo de “veterinária medicina”, para designar a arte de curar cavalos e outras bestas de carga foi Columela e também ele o primeiro a dar o nome de veterinarius” ao encarregado desse mester.

Todavia, ainda que a raiz do termo veterinária tenha entrado no “corpus” lexical da globalidade das línguas Ocidentais. O certo é que nem sempre foi assim. Quer em Franças ou Araganças, quer entre os teutões a raiz seria céltica (1) e composta de “marc’h” (cavalo) + skalk (servidor) e daria na Germânia Interior ou terra dos Francos, já na alta Idade Média, “marhskalk (encarregado de cavalos ou eguariço), na Gália “maréchal-ferrandou simplesmente “maréchal” (ferrador), “maréchal das écuries” (ou seja o que tem a cargo os cavalos do príncipe) e “maréchal des logis” (um sub-oficial de cavalaria, artilharia ou trem); no seio dos Aragoneses mariscal” e na loira Albionmarshal“. Já os Árabes, abjurando naturalmente desses infiéis termos, foram buscar a raiz de alveitar a Ibne Albeitar, notável médico veterinário malaguenho, autor do “Livro dos simplices“.

Por pura sistematização, é de uso arrumar, tanto a nossa como a medicina humana, em três patamares: o antigo, que inclui não só o período pré-histórico mas ainda a época histórica em que florescem as civilizações Orientais, a Egípcia e a Greco-Romana, ao longo do qual a medicina se vai progressivamente profissionalizando, atingindo, na sociedade de então, crescente gabarito (1); o médio, em que, mercê de novas concepções políticas, sociais e religiosas, o mundo de cristandade mergulha na letargia que vai prolongar-se (apenas interrompido, aqui e além, durante o pontificado escolástico, em que na verdade, se assiste, na sombra dos mosteiros, ao prosseguimento, ainda que solapado, dos estudos médicos) através da Idade Média e da Renascença, até ao século passado; e o novo, que decorre até nossos dias, caracterizado sobretudo pela assunção de cunho verdadeiramente científico nos trabalhos de pesquisa, nomeadamente a partir do advento da Bacteriologia (em boa parte instalada, diga-se de passagem, mercê do contributo de médicos veterinários, os primeiros a apoiarem Pasteur contra ventos e marés) com o desenvolvimento espectacular de todos conhecidos – e que abarca a não só a época chamada dos “tratadistas clássicos” como também o período das “escolas de equitação”, o “naturalista” e o dos “criadores ingleses” e, por fim, o da “escola francesa” do século XIX e o da idade contemporânea.

A pré-história

Limitado à nascença nos seus sentidos, o homem assim que toma consciência da sua identidade – “grosso modo” a partir do Paleolítico – vai ampliando progressivamente o leque de seus juízos até à obtenção desse admirável sentido adicional, exclusivo seu, a que chamamos inteligência.

Essa evolução – que dá, de facto, ao homem plena satisfação, não só do ponto de vista espiritual e moral, ou estético – foi-se transmitindo, através das criativas gerações, até à perfeição que atinge nos nossos dias, ainda que possamos perfeitamente admitir que, no futuro, o homem hodierno venha a ser, afinal, um tipo muito primitivo e incompleto, como para nós é, por exemplo, o homem das cavernas … (quem sabe se o imediato provir da arquitectura genética não nos reserva a melhoria – ou talvez não … – do homem sociável, dotado de mais completo e desinteressado controlo dos seus impulsos emocionais, com um desenvolvimento mental traduzido em maior presteza de percepção, na ampliação da memória, em capacidade de síntese e análise, em energia mental e poder criador, em equilíbrio, sentido de justiça e espírito crítico, embora a herança constitua ainda um magnífico substituto da arma genética).

A Paleontologia aceita que antes da era Antropozóica – que marca verdadeiramente o aparecimento do homem – ou seja no final do Cenozóico, correspondente à época diluvial ou das grandes glaciações, já viviam os seus mais próximos percursores, como o “Homo sapiens“, que, oriundo da Ásia Central, havia de progredir com armas, bagagens e animais (porque a toda a expansão e deslocação humana correspondia, nessa época, uma forma animal acompanhante) dos altiplanos asiáticos e daí irradiando em múltiplas direcções, inclusive para a Europa e Norte de África, deixando atrás de si marcas da sua passagem: o dolicocéfalo “Homo europeus fossilis“, o tronco mais antigo das raças arianas de que restam vestígios no chamado “homem de Neanderthal” (assim designado pelo facto de restos do seu crânio terem sido encontrados próximo deste local da Prússia Renana, entre Dusseldorf e Elberfel), o “Homem cro-magnon” (cujo esqueleto, de cabeça alongada, foi localizado em França, numa gruta, perto de Eyzies) e, ainda, o “Homo alpinus“, braquicéfalo, referenciado, como o nome indica, ao maciço dos Alpes.

Com efeito, apenas por altura do Quaternário começa o homem a domesticar os animais e só posteriormente, à medida que vai adquirindo hábitos sedentários, principia a dedicar-se à agricultura. Antes, ou seja, no Paleolítico Inferior ou Idade da Pedra Lascada, dado levar vida nómada e cavernícola, alimenta-se originalmente de frutos espontâneos e depois da pesca e da caça, esta assada directamente no fogo, e só mais tarde, no Médio Paleolítico, se dedica à vida pastoril, capturando e estabulando os animais para, de seguida, os domesticar, sobretudo a partir do Neolítico ou Idade da pedra polida com o fim de os explorar quer nas suas diversas aptidões, quer no sentido de os utilizar como tractores animados, ou ainda, para com eles constituir uma das suas mais valiosas bases alimentares. Somente no Paleolítico Superior funda as primeiras póvoas, aperfeiçoa as armas (neste caso de pedra), manufactura vasilhascoze os alimentos e envereda, decisivamente, pelas práticas agrícolas, sobretudo a partir do Neolítico, designadamente a da cultura cerealífera. Desta idade as notícias são escassas, mas na que se lhe segue: a dos metais – do ferro, do cobre e do bronze – aumentam: o íncola começa, sucessivamente, a interessar-se pela oleicultura, pela panificação e pelos lacticínios, ampliando assim a utilização dos animais adrede amansados, como o cão, o boi e o cavalo.

De resto, crê-se ter sido a ovelha, conjuntamente com o cão, o primeiro animal a ser tornado doméstico do homem, não só por ser um animal fácil de capturar e ser naturalmente pacífico, mas ainda por ser múltipla a sua utilidade, quer alimentar, pelo leite, queijo e carne que produz, quer pela sua e sua pele lhe servir de abrigo para o corpo. Só depois vai domesticando as outras espécies, das quais o cavalo seria, de facto, das últimas a ser conquistada.

Época Histórica

Mas é a partir do período histórico que vão crescendo os informes: à cabeça, no domínio do nascente campesinato, os Povos Orientais e Egípcios. Os Egípcios, por exemplo, domesticavam já o cão à volta de dez milénios e o boi e o cavalo 1800 anos antes da era Cristã. Na Mesopotânia (hoje Iraque) encontraram-se esculturas de animais com mais de cinco mil anos antes da nossa era. Na Babilónia, Iraque também, perto de Ur, sobre o Eufrates, junto do templo de Abraão, foi encontrado, gravado na pedra há quatro mil anos, o chamado código de Hammurabi, promulgado por este monarca, o qual além de se ocupar de outras disciplinas, regula a utilização dos pascigos e a comercialização de animais, enumerando seus vícios e moléstias e as regras e conceitos de exercício da Medicina veterinária, a ponto de prever sanções para os eventuais incumpridores das normas de correcção, ou para aqueles que, por negligência, deixassem morrer os animais. Também o código dos Hititas (povos de tronco Israelita, provindo do Norte e fixados na antiga Palestina ou Canaan) é consagrado, em boa parte, à patologia e terapêutica dos cavalos, dos bois ou vacas e dos ovinos.

A Bíblia cita Abel como o primeiro dos pastores e refere-se aos cavalos do rei Salomão. Os Judeus dão preferência, nos seus registos, às ovelhas e aos camelos, bem como aos asininos e bois de trabalho. Ciro, imperador persa, manda estabelecer, ao longo do seu vasto império, um serviço regular de correio, equipado de malapostas e mudas de cavalos. Por sua vez, à Índia chega a vez de amansar o elefante. A inclinação dos egípcios pelos animais é tão grande que vai a ponto de divinizá-los: o carneiro como Amon, o touro como Apis e o cão como Anubi, e sabe-se o que se passa ainda hoje na Índia, nas zonas dominadas pelos Brâmanes, eremitas das florestas, com as vacas consagradas. (Nos Vedas, ou seja o conjunto dos quatro livros que constituem a base da primitiva religião bramânica que se ocupam, para além dos temas próprios, de muitas outras coisas, como economia, cosmogonia e medicina dos homens e dos animais, v.g., da maneira de expulsar os males das febres e dos venenos das feridas e hemorragias, ou ainda da multiplicação do gado e também, no domínio da produção cavalar, designadamente através dos xatrias, casta guerreira socialmente situada entre os Brâmanes e os Vaixias, ou plebe, formada pelas classes médias, mercadores e artífices. É certamente por tudo isso que a medicina animal alcançou entre este povo tão destacado lugar).

historia_medicina_verinaria_05
Fig. 4 - Carro Egípcio, pintura mural in “Tratado de Zootecnia” de Cornevin.
historia_medicina_verinaria_06
Fig. 5 Gravura em pedra encontrada perto de Ur, Mesopotâmia, a que se atribui 5 000 anos de idade (as cabeças dos cavalos encontram-se dispostas segundo três dos principais tipos de crinas (erectus, pendentes ou sem crinas) e perfil (convexo, recto e côncavo).

Mais tarde, na Grécia, ao tempo de Péricles (419-429 a.C.) é a vez de entrar em cena os glorificados hipiatras, para o tempo curadores esclarecidos – face à cultura médica e cirúrgica que demonstravam – das moléstias do foro hípico, e cujas reflexões viriam mais tarde a ser reunidas na não menos celebrizada Hipiátrica. A par dos povos da Índia e do Egipto, à mitologia grega não foi indiferente o culto animal: os centauros, mistura de homem e de cavalo são disso prova. E recorde-se até que a uma criatura dessas de fábula é mesmo atribuída a qualidade de preceptor de Esculápio, o deus da medicina para os gregos. E também Xenofonte, quatro séculos antes da nossa era, na época pré-romana, para além dos livros clássicos de todos conhecidos, como a célebre “Anabase“, tratou temas do foro médico veterinário, que vão desde a criação de cães até à criação de cavalos (v.g. in ” Hippia“, breve manual em que se trata, entre outras matérias, da determinação da idade através da observação da arcada dentária ou da íntima anatomia do pé do cavalo). Igualmente pela mesma altura, Arquelau de Mileto, contemporâneo de Hipócrates de Coos (iv a.C.), – que embora chamado de “pai da medicina” foi também estudioso na arte de curar ao animais – publicava vasto tratado (grande parte da qual se foi na voragem do tempo) sobre matéria médica veterinária.

Numerosos são, os testemunhos das culturas mediterrâneas, quer as de raíz árabe, quer grega ou latina, que chegaram até nós, abrangendo problemas de sanidade animal e deixando marcas profundas da sua passagem. Mais do que em outra parte do mundo, foi ao longo das orlas do Mediterrâneo – berço do logos humano – que floresceu a arte de curar animais.

Na realidade, muitos foram os homens das letras greco-latinas que manifestaram interesse pela patologia animal. Homero na “Odisseia” e na “Ilídia“, e Virgílio nas “Geórgicas“, ao observarem a flora, não deixaram de estudar a fauna, tal qual como Aristóteles, cuja obra, constituindo na época em que viveu (384-322 a.C.) uma vasta enciclopédia do saber humano, reflecte igualmente a sua formação de biólogo, ou, antes, de naturalista, a ponto de ser considerado, na verdadeira acepção, como o fundador da Zoologia, dado que se deve a ele a primeira classificação ordenada do reino animal, além de outros trabalhos notáveis, como a “Geração Animal“, “Partes dos Animais” e “História dos Animais“.

Outros autores como “Plínio-o-Antigo” (23-79 d.C.) in “Historia Naturalis” ou Varrão (116-27 a.C.) in “Rerum doctissimus rusticarum“, ou ainda o hispânico Lúcio Junio Moderato Columela, in “De re rustica, libri XII“, onde, pela primeira vez como se disse, se registam os termos de “veterinária medicina” e de “veterinarius“, este o pastor a quem era confiada a função de curador do gado.

Ainda a propósito dos hipiatras (1) – que, como se adiantou, eram indivíduos de sólida cultura médica – importa sublinhar que, as suas lucubrações denotavam em regra originalidade, ao passo que outros dos seus contemporâneos dedicados à Agronomia, os geopónicos (de “geo”, terra e “ponos”, trabalho) – embora nos tivessem deixado igualmente valiosos escritos sobre a medicina animal (e naturalmente sobre agricultura), no fundo, não fotam mais que hábeis compiladores das conclusões dos hipiatras.

Entretanto, “pari passu” com a hipologia, que de facto detinha a parte de leão, começa a desenhar-se crescente interesse por outras espécies e surgem os especialistas: o “medicus pecuarius” ou o médico do gado, o “mulumedicus“, também denominado “equorum medicus“, ou seja, o médico militar integrado nas unidades montadas de escol das legiões romanas, etc. É de referir também que os gregos, mais atraídos pelos cavalos, lhes consagrassem de ordinário, os escritos, ao passo que os romanos, mais seduzidos pelo campo, se ocupassem, de preferência, dos assuntos ligados ao problema do melhoramento animal, quer dizer da Zootécnica.

Não tarda, porém, que, tal panorama se altere. Com a desagregação do Império Romano, inicia-se um penoso processo de decadência, tanto da medicina humana como da animal, ainda que antes da queda de Constantinopla, cabeça do império de Bizânico, por volta dos trezentos anos da era Cristã, se registe um certo movimento renovador, mormente com Theomnesta e Aspirto, este denominado “pai da Medicina Veterinária“, íntimo do imperador Constantino VII, o Magno, e chefe caudélico dos exércitos, que, aliás, acompanhou no teatro das operações, (v.g. ao longo do Danúbio durante a campanha contra os Sármatas). Dele nos ficou uma grande colecção de escritos, mais tarde reunidos, por ordem de Constantino, aos registos dos hipiatras para formar a Hipiatria, na verdade o mais notável conjunto de conhecimentos até então divulgado sobre a medicina animal. São igualmente da mesma época, e inseridos no mesmo espírito de reacção, as obras de Pelargonios (400 d.C.) e Publius Vegetius (450-500 d.C.), v.g. in “Artis Veterinariae sive digestorum mulomedicinae“, obra em seis volumes publicada no século XIX, de singular influência durante toda a Idade Média.

Com o fim da Idade Média, assinalada como se sabe, pela conquista, em 1453, de Constantinopla pelos turcos, tudo se altera e se desconjunta. O esplendor atingido pelas artes médicas fenece de ora avante, não só pelo fluir do processo desenvolvimentalista se tornar subjacente às ideias religiosas e sociais prevalescentes, mas também por força da instabilidade política decorrente das lutas contínuas em que passam a andar empenhados os senhores da guerra. Para a Cristandade do tempo, era de certo modo tabú curar dos corpos, antes havia de tratar das almas. O amor terreno à vida tinha o homem de o afastar para satisfação das exigências da fé.

"...ao longo de todo o milénio da Idade Média mais importante que salvar os corpos era a salvação das almas..."

Nesta ordem de ideias, o padecimento era exalçado, considerando-se como sagrada a doença; o que verdadeiramente importava era alcançar a salvação da alma. Pensando sem cessar na morte, que põe fim a todos os sofrimentos e aos bens terrestres que vincam as diferenças de hierarquia, amar-se a si e ao corpo era, ao fim e ao cabo, uma forma de idolatria; só através do ascetismo e da exclusão dos prazeres sensoriais se podia devolver à alma a sua primitiva pureza. Tal colapso espiritual só viria a colmatar-se com o evento da Renascença, como é sabido.

Nestas circunstâncias, não surpreende que a investigação científica e o ensino médico se retraiam e sejam relegados para segundo plano nas listas das preocupações medievais, cedendo o passo à superstição ou, então indo acantonar-se à sombra das abadias ou mosteiros. Efectivamente, seria nos conventos de alguma importância, cujo principal objectivo era, em certa medida, o culto da caridade, que havia, no geral, um hospício, onde frades ledores e plumitivos entesouravam e ampliavam, se possível, o acervo dos conhecimentos médicos. Célebres sob este aspecto foram algumas das instituições monásticas, como as circundantes do lago de Constança, ou as abadias de Salerno ou de Montecasino, na Itália.

Lá se praticou de modo constante a ciência médica, nas suas faces humana e veterinária (nesta também com toda uma sorte de gente que vai de santa Estugarda aos alquimistas ou pré-alquimistas). Mas, repita-se, ao longo de todo o milénio da Idade Média mais importante que salvar os corpos era a salvação das almas

Posto isto, não surpreende que o ensino médico transfira seus arraiais para terras de mouros e venham a ser os árabes – que nutriam pelo cavalo paixão igual à que dispensavam à mulher – os grandes beneficiários da fuga dos cérebros, ao abrirem os braços à imigração de práticos e teóricos das artes médicas e criando nas terras infiéis, designadamente em Sevilha, Córdova e Granada (no calificado do Oriente os estudos gerais encontravam-se vocacionados mais para o campo das letras e das matemáticas) escolas orientadas no sentido do progresso das Ciências médicas, particularmente das médico – veterinárias e, em especial da hipiatria. Deste modo foram os árabes os grandes continuadores do pensamento greco-latino ao traduzirem as melhores peças culturais da orla mediterrânea, como as de Aristóteles, Hipócrates, Galeno ou Platão.

Assim é no seio das faculdades dos califados hispânicos que se manteve aceso o facho. Ibn Iussef, por exemplo, dá à estampa um extenso tratado sobre a medicina animal, aliás não totalmente original, dado que compila trabalhos já conhecidos – enquanto que o sevilhano Abu Zacarias Ahmed ou Ibn-al-Awam, (séc. XII) mete ombros à feitura do gigantesco e celebrado Kitab-al-Felanah“, do qual nada menos de três volumes são consagrados, quer à educação e criação do cavalo quer à sua higiene e terapêutica. Esta obra, que na versão hispânica toma o nome de “El libro de la Agricultura“, descreve detalhadamente a vida agrária da Península ao tempo dos Almohadas, antes da invasão dos Beni Merines, vindos do Norte de África e provavelmente introdutores na Ibéria dos ovinos de raça merina.

Não obstante, no campo cristão, paralelamente ao labor das instituições monásticas, regista-se eclosão de um fermento de rebeldia contra o marasmo em que haviam tombado os estudos médicos. Particularmente na Sicília, no século XIII, durante os reinados de Rogério II e do imperador Frederico II (conhecido por “sultão cristão da Europa”, apaixonado zoológo e preopinante, em grego, sobre citrataria). É notável a reacção, sendo por esta altura que o magistrado Jordanus Ruffus; dá à ribalta, em 1250 o “Livro de Marescálcia“, o qual depressa se torna um clássico, servindo de arrimo a muitos tratadistas, inclusive ao nosso patrício Mestre Geraldo, físico-mor da corte de D. Dinis, de que mais adiante se falará. É mais ao menos por esta altura, também, que aparece a colectânea científico-naturalista conhecida pelo nome de “Physiologie bestiari“.

Entretanto, sopram os ventos de outros quadrantes: no próprio seio da igreja, S. Tomás de Aquino, o doutor Angélico (1225-1274), para só citar porventura a mais emblemática figura do pensamento filosófico dos séculos XII e XIII, procura harmonizar a fé com a razão, de um lado, e a Filosofia com a Teologia, do outro, num sistema coerente que integra a filosofia aristotélica e platónica no dogma cristão, dando origem a uma forma nova e clara de investigação no sentido de encontrar solução para os problemas de ordem científica, consubstanciados no complexo movimento ideológico designado de Escolástica, que surge, já com características de ciência exacta e objectiva, a estabelecer íntima e subjectiva relação entre Deus, o homem e a natureza, trazendo de novo à ribalta as referidas correntes filosóficas, recolhendo do Estagirista o espírito intuitivo, acrescentado por santo Agostinho do sopro ardente do Cristianismo, e de Platão, além do entendimento ordenado e sistemático, a concepção racional e panteísta do Universo. Para tal, com o contributo de Santo Agostinho, foi mister cristanizar e baptizar a ambas as correntes, o mesmo sucedendo em relação às teorias de Plínio e de Galeno, igualmente absorvidas pelo movimento escolástico.

Tomás, como do apelido se infere, nasceu em Aquino, na Itália, não longe de abadia de Montecasino, onde mais tarde viria a professar, cedo revelando excepcional talento, cujo rasto atravessa toda a Idade Média e se prolonga pela Renascença até à Idade Moderna, convindo, no entanto, lembrar que o ideário de Aristóteles – que foi também, como vimos, invulgar naturalista – é assimilado por um professor do Aquinense nas universidades de Paris e de Colónia, o bispo Albert Von Bollstacat, posteriormente canonizado de santo: Alberto o Grande ou Alberto o Magno, também ele dominicano e escolástico, a quem entre outras obras se deve a conhecida “De animalibus“, boa parte da qual consagrada à medicina veterinária.

historia_medicina_verinaria_07
Fig. 6 Prática de sangria na tábua do pescoço In “Livro de Marescálcia” de Álvarez Salamiella.
historia_medicina_verinaria_08

Com a Escolástica, servindo de catapulta e mais empurrão daquí ou dalí, a arte médica vai progredindo. As práticas alicerçadas no empirismo ou nas crendices do imaginário popular são progressivamente desencorajadas, ao contrário do que sucedia com o falanstério dos homens de saber, um pouco ao sabor da opinião de Rhaz, médico árabe, que proclamava ser mais útil ler um livro (de medicina, entenda-se) que tratar cem enfermos… Assim, Juan Alvarez Salamiella (fig.6), redige, ainda no decurso do século XIII, um importante tratado, por sinal ilustrado, sobre matéria de foro cirúrgico do cavalo, “Livro da Marescálcia et Albeitaria et Fisica de las Bestias“, enquanto Laurentius Russius, ou Lorenzo Russio (1288-1347), chefe das cavalariças de Napoleone Orsini (1283-1347), cardeal napolitano, publica em 1340 a “Hippiatria sive Marescalia“, através da qual aborda tanto a higiene como a patologia do cavalo em diversas línguas no latim e na nossa, neste caso sob o aportuguesado nome de Lourenço de Ruzião.

(Este Russius, que foi intérprete de magistrado siciliano Jordanus Ruffus, o qual, por sua vez, foi autor do já citado livro de marescálcia, cujas concepções (uma delas tratando com clareza da afecção reumática) teriam vindo até nós, mais concretamente ao conhecimento de mestre Geraldo, através do referido Russius).

Depois, nos finais do século XVI, mais precisamente em 1598, é a vez do senador bolonhês Carlo Ruini de nos dar um completo tratado de anatomia animal – reproduzido igualmente em diversos idiomas – ilustrado primorosamente, e, daí, supor tratar-se afinal de obra póstuma de Leonardo da Vinci.

Passando à Espanha, em 1564, o médico veterinário zamorense Francisco de La Reyna, a quem se atribui a descoberta do sistema da circulação sanguínea, aparece com o seu “Livro de Albeytaria” (a descoberta de La Reyna é portanto, muito anterior à do fisiologista inglês William Harvey, i.é., antes de publicado, em 1628, o “De moto cordis et sanguinis“, onde, na verdade, é proficientemente retratada toda a mecânica circulatória).

Abra-se de novo um parêntesis para registar que a outro não médico, Aulo Cornélio Celso, se deve igualmente uma obra de conjunto que, publicada sobre os auspícios do papa Nicolau V, sob o título de “De res medica“, passou aos anais da medicina. Celso, porém, que foi notável enciclopedista e experimentado cirurgião, é sobretudo lembrado pelos sinais identificadores dos processos inflamatórios (“tumor, calor, rubor et dolor“) que têm o seu nome.

Posteriormente, é a vez de João Garcia Cadet e Diamantino Ros, passarem à escrita o resultado das suas observações, tendo o último, em princípios do século XVIII, mais exactamente entre 1728 e 1730, dado conta de um método de transfusão sanguínea e de inoculação endovenosa antes do equivalente processo ter livre prática em medicina humana.

Todavia, ao qualificar-se de alveitar a La Reina convém referir de novo que, ao contrário do que possa supor-se, a corporação dos alveitares era tida em toda a Ibéria como classe culta, muito estimada e credora do maior respeito; alfôbre de nomes cujo brilho atravessa a Idade Média e a Pré-Renascença.

Trata-se, afinal, de evolução semântica ao invés do que acontece, como vimos, com o nome do marechal.

Com efeito contrariamente ao que sucede noutros países (na França com o “sergent-fourrier”, com o “stallmeister” na Alemanha ou com o “cow beches” no Reino Unido), em que os profissionais práticos, não raramente denotavam a mais profunda ignorância dos porquês das coisas, no país vizinho o panorama era diferente: com a criação, pelos Reis Católicos Fernando e Isabel, do tribunal do Protoalveytarato – uma sorte de grémio laboral inspirado na organização dos mestres medievais, germe de futuros sindicatos – onde passam a ser examinados, por júri qualificado, os candidatos ao cargo de facultativo e aprovados só aqueles que se revelassem cabalmente aptos a bem exercer a profissão, a qual seria aliás passível de fiscalização por parte do tribunal, que por outro lado, tinha por dever dispensar aos formandos o possível amparo e protecção.

historia_medicina_verinaria_09

Antes que o século termine, em França sai a lume, por volta de 1565, o “Praedium Rusticam” de autoria de C. Estienne, onde se reproduzem não só escritos de Vegécio como também alguns capítulos de “Thesaurus Pauperum”, obra atribuída ao nosso compatriota Pedro Hispano, mais tarde eleito papa com o nome de João XXI. Também conhecido por Petrus Hispanius Portugalensis, ou Pedro Julião, nasceu em Lisboa, tendo sido nomeado arcebispo de Braga em 1273 e eleito cardeal no ano seguinte. Deixou publicados grande variedade de trabalhos, versando, naturalmente por ser médico, temas da especialidade. Entre os quais se destaca “Summulae Logicales“, vulgata de lógica aristotélica, bem como a tradução de clássicos, árabes ou cristãos. Tem-se que o seu último trabalho teria sido um comentário à “História dos Animais“, de Aristóteles, anterior, portanto, à obra de Alberto Magno “De Animalibus“. De Pedro Hispano conhece-se ainda, no âmbito do foro veterinário, a “Hippiatrica“, impressa em latim e publicada em 1530. Finalmente, pouco mais ou menos na altura da publicação do livro de Estienne, em 1556, vem a público “II Trattato dei Cavalli“, de Cesare Fraschi, de Ferrara, na Itália, que viria a ter grande aceitação tanto em França como na Áustria.

"O mesmo, de resto, aconteceu entre nós com o prof. Sousa Martins, laureado vulto da Medicina portuguesa, a advogar no sentido de se incluir o ensino de Veterinária no rol de disciplinas da escola de Lisboa."

Outras terras, outras gentes: em França, como na Itália ou Grã-Bretanha, são as “ecuries“, ou sejam as coudelarias (a exemplo do que viria a acontecer em Portugal e em Espanha com as escolas de toureiro equestre) que assumem o fermento das futuras academias, nas quais aos preceitos pedagógicos de ordem prática se acrescentam progressivamente as regras e os conceitos de índole teórica, surgindo nomes que passaram à história, como Pignatelli Grisone e Carraciola na academia da escola de cavalaria de Nápoles; em França Garsault, Pluvinel ou outros como Lafosse (filho de outro grande hipiatra do mesmo nome que teve assento na Academia francesa) e Gaspar de Solleysel (autor do “Parfait Maréchal”); na Inglaterra: James Douglas, William Cavendish, William Gibson e James Clark, autores, respectivamente da “Miografia do homem e do cão“, “Tratado de Equitação” e do “Novo Tratado das Doenças do Cavalo” e na Alemanha, a encerrar a resenha, a família Ostertag que só por si representa uma dinastia de médicos veterinários, bem representada, sobretudo, no domínio da Helmintologia.

Entretanto, os Lafosse, o pai e o filho, vinham preconizando, e defendendo com paixão, o ensino a nível universitário da Medicina Veterinária e a própria Academia de Medicina francesa seria a primeira a sugerir que devia ser integrada no plano de estudos da faculdade. A ideia foi aceite, embora por fas e por nefas acabasse por não vingar. O mesmo, de resto, aconteceu entre nós com o prof. Sousa Martins, laureado vulto da Medicina portuguesa, a advogar no sentido de se incluir o ensino de Veterinária no rol de disciplinas da escola de Lisboa.

Todavia, não foram tão-somente as academias a manter o facho aceso: também o largo acervo de eminentes naturalistas que pejam os anais do século XVIII – como Buffon, Leibnitz, Leewenhock, Lineu, Geoffroy Saint-Hilaire, Darwin e tantos outros – contribuiu significativamente para o progresso da Zootecnia. Por outro lado, paralelamente ao academismo experimental e descritivo, surge a coorte de criadores de gado, homens práticos sem outra ferramenta para além de uma notável intuição. É a chamada época dos criadores ingleses, os quais com muito esforço e canseira lograram obter ao longo do século resultados superiores aos alcançados pela ciência especulativa, mormente entre o armentio ovino e bovino e ainda no quadro dos produtos agroali-mentares derivados.

As escolas de equitação, mantidas pelos grandes capitães, nobres e prelados com o fim de assegurarem montadas para as suas viagens, festas, paradas e cavalhadas, existiam por toda a parte, todavia as chamadas de alta equitação confinavam-se às grandes cidades ou capitais, como Viena, Berlim, Hannover, Mecklemburgo, Munique, Copenhaga, Estocolmo, Vila de Este, na Itália e Alter-do-Chão, em Portugal, tendo esta sido então considerada uma das melhores do mundo.

historia_medicina_verinaria_10
historia_medicina_verinaria_11
Fig. 10 Escola portuguesa de equitação, in “Arte de Cavalaria e Gineta”, de Miguel Galvão de Andrade.
historia_medicina_verinaria_12

Em conclusão, se de facto foi no foro íntimo das academias que logrou a ideia da sistematização e do aprofundamento do ensino, pouca água correu até que em 1762 surgiu em Lyon, ao tempo do intendente Bertin e por iniciativa de Claude Bourgelat – advogado de profissão e mestre equitador por devoção, por cavalos apaixonado desde tenra idade – a primeira escola, a nível mundial, consagrada ao ensino de medicina veterinária, de que Bourgelat foi professor e depois director, fazendo-se, nesta qualidade, rodear de médicos e cirurgiões competentes no intuito de pôr de lado o reinante empirismo, decisão que, aliás, deu origem à acesa polémica que levou ao afastamento de Lafosse do cargo a docente da novel faculdade. Bourgelat, autor prolixo, deixou-nos, entre muitas outras obras de fundo, o clássico “Traité de la conformation exterieure du cheval”, publicado em 1768.

Foi, por assim dizer, o rastilho: por um lado, com a iniciativa de Bourgelat, mas por outro, certamente com as epizootias que, em crescendo, dizimavam os rebanhos um pouco por toda a parte, assiste-se, a breve trecho, à abertura de novas escolas de ensino médico – veterinário, a primeira em Alfort, em 1765, a seguir em Toulouse, depois em Madrid, Copenhaga, Viena, Turim, Munique, Bélgica e Portugal e no resto do mundo. De então para cá, é imparável o movimento conducente à criação de novos institutos, dando ensejo ao aparecimento, no campo da investigação científica, de nomes, como os de Bounley, pai e filho (ambos médicos – veterinários e ambos presidentes da Academia francesa de Medicina), Bartelemy, Toussault e tantos outros como Cheveau, anatomista eminente, além de destacado bacteriologista e imunologista; Carré, o homem dos vírus filtráveis; Ramon, largos anos à frente do Instituto Pasteur de Paris, ou ainda, o inglês Mac Fadden ou o austríaco MercK.

É este efectivamente, um período áureo da nossa história. O desenvolvimento da medicina animal é espectacular, adquirindo, como sucedeu com a homónima humana, sobre tudo a partir de Pasteur, cariz verdadeiramente científico. Mas se é certo que o fundo ideológico da era pasteuriana, que ainda hoje domina o mundo médico, se fica devendo a esse incomparável benfeitor da humanidade, não é menos legítimo afirmar que o êxito das descobertas de Pasteur muito se fica devendo, quiçá mais que aos médicos da espécie humana, aos médicos veterinários que com ele trabalhavam, acompanhando-o dedicadamente, braço com braço, e cotovelo com cotovelo no esforço da arrancada.

Três metas se punham então aos pioneiros: em primeiro lugar a da etiologia, ou da causa, depois a da patogénia ou do conhecimento da mecânica das secreções microbianas, isto é, da origem do envenenamento orgânico, e, finalmente, a da terapêutica, mormente no campo da profilaxia, ou seja, da técnica da prevenção das infecções através do uso de vacinas (as quais, de passagem se diga, não nasceram propriamente com Pasteur, embora fosse ele, e, repita-se, colegas nossos, seus discípulos, que verdadeiramente fizeram soar o tiro da largada).

Com efeito, como se sabe, Pasteur foi, originalmente, um cristalógrafo, mas que teve clarividência necessária para associar as alterações registadas nos tartaratos ao longo da fermentação alcoólica à existência de germes vivos e actuantes do meio ambiente, pondo por completo de lado a teoria da geração espontânea e concluindo pela possibilidade do uso da esterilização e da escolha de estirpes puras para manter sem mácula as fermentações.

Por seu turno, Lord Lister, sem dúvida um dos primeiros e um dos melhores discípulos de Luis Pasteur, apercebendo-se da importância das descobertas do mestre no foro da cirurgia, não tardou a revolucionar o mundo hospitalar com a entrada em cena dos novos conceitos de asépcia e antisépcia.

Entretanto, Pasteur, retomado à marcha e deixando para trás, resolvidos, uma série de problemas, como o dos bichos-da-seda e os conexos do fabrico do vinho e da cerveja, envereda, sem querer, pelo caminho da prevenção das zoonoses infecciosas, depois de, por sorte, ter observado que uma pobre cultura do cólera aviário, abandonada por esquecimento ao canto da estufa durante as férias, perdera, com o envelhecimento, a virulência e a capacidade infectante, ganhando, em contrapartida, aptidão imunitária. Tal facto, como é do conhecimento viria a revelar-se de capital importância na formulação das vacinas.

E assim começa a longa jornada iniciada mais a sério, com a descoberta da vacina (termo criado por Pasteur para homenagear Jenner, o homem da vacinação antivariólica, que, de facto, em 1798, havia rotulado de “vírus vaccina” o agente da varíola) contra o flagelo da raiva.

De passagem se diga que o caminho nem sempre foi fácil, pois, logo, ao procurar idêntico percurso para a obtenção da vacina carbunculosa, Pasteur vê seus movimentos momentaneamente tolhidos com o aparecimento dos esporos do “B. antracis“, dificuldade resolvida, como se sabe, pelo cultivo do bacilo a 42.º em meio aeróbio. E o resultado foi o mesmo: a cultura, uma vez inoculada, deu origem a uma forma frusta da doença susceptível, como na cólera, de provocar uma resposta imunitária.

Todavia, como dissemos atrás as vacinas não nasceram propriamente com Pasteur. Outros, ao acaso, o antecederam.

Lembremos, por exemplo, o caso de Benjamim Jerry, agricultor inglês, que, no intuito de resguardar a família da varíola, resolveu inoculá-la, servindo-se de uma vulgar agulha de fazer meia, com linfa variólica. A vacina jeneriana só viria mais tarde, de modo também fortuito, após Lady Montagu ter registado o facto, surpreendente ao tempo, do pessoal mungidor de vacas atacadas de “cow-pox” não contrairem varíola e, admirada com isso, ter dado conta dessa observação a Edward Jenner.

Mas nestas questões do acaso – ainda que saltando do campo imunológico para o quimioterapêutico, é curioso registar o facto dos nossos íncolas transmontanos não deixarem seus créditos por mãos alheias e se anteciparem, por centos de anos, a Alexander Fleming, na descoberta do poder mágico dos penícilios no combate às infecções, nomeadamente as sobrevivas das escoriações das patas de seus cães caçadores, alcançadas nas asperezas do caminho através das serras, ao longo das suas expedições venatórias, servindo-se, para o efeito, do bolor criado no naco de broa abandonado ao canto da lareira…

Falemos agora de nós

Traçado, ainda que apressadamente o percurso da profissão através do tempo, modo e lugar é altura, prosseguindo a jornada, de retomar o fio à meada e orientar os passos para a terra das lusas gentes, tentando alinhar alguns marcos do caminho, embora nos faleçam notícias dos idos anteriores ao século XIII, dado que só a partir do reinado do Rei-Lavrador apareçam registos acerca da matéria.

Todavia, é de crer que muito antes já se encontrasse constituída em corporação a classe dos facultativos que se dedicavam à terapêutica animal. Porém o certo é que qualquer tradição oral ou escrita a esse respeito se consumiu no arco do tempo: sabe-se apenas que na altura em que D. Dinis era sagrado soberano, a 16 Fev. 1277, ainda se vivia sobre a influência no que toca à patologia veterinária das ideias de Jordanus Ruffus, exposta no citado “Livro de Marescálcia“, obra notável para a época escrita em 1250, que sistematicamente compendia as doenças então conhecidas e constitui, pôr assim dizer, a pedra angular da profissão através da Idade Média, trazendo à colação novas ideias que vão, em muitos casos, opor-se às do clássico Publius Vegetius Renatus, vindas a lume novecentos anos atrás!…

No que tange ao monarca é sabido que, a par da predilecção pelas letras, desde novo demonstrou vivo interesse pelos problemas da educação, mormente universitária e da economia agrária designadamente no seu vector primário, não tardando, por isso, a confiar a Mestre Geraldes ou Giraldus, médico da corte, o encargo de elaborar o “Livro de Alveitaria, publicado à volta de 1318, o primeiro, de que há memória, escrito em português e por um português sobre patologia equina, cujo original infelizmente se perdeu no vórtice dos tempos, mas de que, felizmente, se salvaram cópias, uma das quais, a mais notável, à guarda da Biblioteca Nacional. Outra obra de Geraldes – erradamente atribuída a D. Dinis – é a “Volataria“, como nome indica, à citraria dedicada.

E não admira face ao impacto prevalecente das doutrinas suscentadas por Jordanus, que Mestre Geraldo a ele se refira no prólogo da obra, bem como a um tal Teodorico, não se sabendo ao certo se se quer referir ao italiano Theodorico de Luna ou a um outro Teodorico de baptismo mas Frei Bernardo Português em religião, nome porque é geralmente conhecido, bispo da Cervia, que para além de se dedicar naturalmente ao munus episcopal, se consagra também, conjuntamente com uma coorte de gente, práticos todos com saber de experiência feita no campo da medicina veterinária, legando-nos, algumas peças de valor sobre as artes médicas e cirúrgicas pertinentes tanto ao homem como aos animais (designadamente à falcoaria, então em moda, e ao cavalo) redigidas em castelhano e mais tarde reunidas sob o título “Los siete libros da Arte de Albeytaria“. Acrescente-se apenas que Frei Bernardo, respeitado profundamente aquém e além fronteiras, fez parte do Tribunal de Protoalbeytaria, alta instância que tinha a cargo, como vimos, não só analisar o saber e a competência daqueles que se perfilavam para abraçar a carreira de facultativos veterinários, como, mais tarde, julgar de seus actos.

Todavia, não obstante a magreza das fontes, é liquido supor que antes de Mestre Geraldo vir a terreiro havia já quem se ocupasse da patologia animal, quanto mais não fosse, os práticos que, da mistura com trovadores, ditos provençais, bufões, mesteirais e gentes várias integravam o séquito de Isabel de Aragão, Rainha Santa, quando veio a Trancoso unir seu destino a Dinis, os quais por certo cá ficaram, exercendo. Seja como for, a verdade é que a obra de Geraldo firma, por assim dizer, o primeiro patamar da história da Medicina Veterinária lusíada.

Com a subida em flecha da paixão pela citraria, surge, obviamente, uma larga teoria de falcoeiros, muitos dos quais, letrados observadores, que passam ao papel o fruto de meditações próprias e alheias, ocupando-se naturalmente das zoonoses aviárias. O quadro altera-se: de certo modo o cavalo é apeado do seu dourado pedestal e substituído pelo falcão, brotando então sucessivos estudos sobre aves de caça, de que é exemplo o “Livro de Citraria” – dedicado, como o nome indica, à caça de altanaria, de Pedro Menino ou Mínimo, falcoeiro do rei D. Fernando, o qual viria a servir de alicerce à obra de castelhano Pedro Lopes de Ayala, (um prisioneiro de Aljubarrota) arquivada na Biblioteca Nacional. Por esses tempos o nosso mercado livreiro encontrava-se em larga medida dependente de Castela. De lá provinham as obras, algumas das quais posteriormente vertidas em português, com excepção dos livros de altanaria, dado ser portuguesa a prioridade sobre a matéria. Coevo de D. Dinis e também interessado pela falcoaria, foi João Martins Perdigão, porém a sua obra, ou obras, perderam-se sem deixar rasto a não ser, por reflexo, no livro de Pedro Menino.

Contudo, não são apenas os informes de índole biográfica que escasseiam, faltam também notícias sobre a composição estatística do armentio nacional. Efectivamente, antes de realizado, meio milénio mais tarde, precisamente em 1870, por Silvestre Bernardo Lima, o primeiro recenseamento geral de gados, eram aleatórias as notícias sobre a nossa população pecuária, salvo, em certa medida, no que concerne à espécie equina, dado o lugar de eleição ocupado pelo cavalo entre senhores da paz ou da guerra, ricos terratenentes ou tão só servos da gleba. É crível que, entretanto, se tenha tentado fazer o arrolamento do gado do reino em termos razoavelmente fiáveis. Não sei. No entanto, fomos encontrar nos arcanos onde converge a papelada fora de circulação (fig. 4) a “Notícia das instruções régias para efectuar o arrolamento do armentio“, vinda à luz no ano da graça de 1801, sete dezenas de anos antes da ciclópica tarefa de Bernardo Lima. Do tempo da denominação romana (dos celtas nao há notícia) existem registos de equinos, onde, por via de regra, era exaltada a excelência dos cavalos da Lusitânia (Estrabão 58-25 a.C.) num dos seus “Itinerários” assevera mesmo que as éguas indígenas, dada a velocidade da carreira, deviam ser fecundadas pelo vento…)

A Península de então era um émulo de Roma; onde o seu estilo de vida se reproduzia com detalhe nas diversas manifestações populares, o que, obviamente, leva a crer que a criação de cavalos se expandisse, designadamente para ocorrer as necessidades militares do ocupante e, depois, por idênticas razões, ao longo dos três séculos do domínio bárbaro e mais tarde, durante o império dos árabes, em sete séculos de luta entre mouros e cristãos. Não admira, daí, que a inventariação das reservas coudélicas se encontrasse no rol das preocupações dos senhores do mando. E não é, por isso, de estranhar que a esta espécie fossem dispensados especiais cuidados, muitos deles inumerados no livro de Abu Zacarias, onde, além de preceitos zootécnicos de ordem vária – como as concernentes a instalações estabulares, ordenamento das pastagens, ou ainda relativas ao melhoramento animal, v.g. através do cruzamento de raças – se alinhavam também regras de índole terapêutica, que se foram transmitindo ao longo dos tempos, de geração em geração, sobretudo entre as populações moçarabes, por mais agarradas à terra que outras.

Nos ledos tempos de pastorícia, é de supor que as espécies preferidas fossem a ovina e caprina, logo seguida da suína e bovina, mas à medida que cresce a população e enfraquecem as lutas religiosas suscitadas pela Reconquista, bem como os conflitos gerados entre nações-estado ou simplesmente entre os senhores feudais, é obvio que a vida agrícola vá adquirindo outro enquadramento, sobretudo a partir do século XIII com o alargamento em larga escala da cultura cerealífera, acompanhada naturalmente da utilização mais racional da terra e, daí, da exploração mais acurada de gado – que em grande parte transita do regime manadio para o regime estabular – por forma a permitir nao só um melhor aproveitamento dos estrumes como também das palhas dos cereais. Todavia, para o fim do século e, no decurso do século XIV, assiste-se à decadência da indústria agrícola, quer devido à acumulação das terras nas mãos das ordens religiosas ou dos grandes morgadios, quer por via do abandono dos campos por parte do campesinato, atraído por mais lucrativas profissões intramuros dos burgos ou cidades quer, ainda, por força das epizootias que ano após ano flagelavam o país quer, finalmente, pelo desprezo com que era encarado o mester agrícola por parte das classes superiores da população.

É certo que, com D.Dinis, se procurou combater tal estado de coisas e promulgadas, além de outras providências, medidas no sentido de combater tais vícios sociais, enxugando pauis e distribuindo depois, as terras saneadas a colonos. Assim, e por outras formas, se dilata a área cultivável, se estabelecem feiras francas, se promove um mais largo consumo de carne e de lacticínios e se encoraja a exportação, nomeadamente para Inglaterra, de peles e couros, do mel e de cera. Do dito se conclui que a reforma agrária do Rei-Lavrador havia de dar origem a uma exploração mais ampla da espécie bovina, por indispensável que era ao granjeio agrícola, deixando charnecas e montados à apascentaçao de ovinos e caprinos e ainda dos suínos afastados do regime de chiqueiro.

Embora já muito antes praticada entre nós, é no reinado de D. Fernando que a falcoaria atinge em Portugal a sua maior pujança (diz-se que o monarca só à sua parte possuía para cima de três centenas de falcões…). Na verdade, anteriormente outros soberanos instituem regras para o exercício da volataria, assim, D. Sancho I, em 28 Dez 1210, e D. Afonso III, em 25 Dez 1255 codificam sanções para punir os comportamentos desviantes: a carta patente de D. Afonso, por exemplo, interditava firmemente a apanha de ovos de falcões, açores ou gaviões; contra-ordenaçao passível da coima de dez libras por cada ovo, para além da sua apreensão.

Quanto a referências bibliográficas, nao são muitas as que distinguem o século imediato – o XIV -, ainda que entre as obras dos Príncipes de Avis e de seu pai, o rei João, avultem os capítulos consagrados a questões de ordem zootécnica, mormente relativos à sua vertente equestre, tanto de cariz teórico como de índole prática, v.g. o “Livro da Montaria” do Mestre de Avis, ou o “Livro de Ensinança de Bem Cavalgar toda Silla” de seu filho D. Duarte, ou, ainda, o “Livro da Virtuosa Bem Feitoria”, Liv. V, do infante D. Pedro, sendo também desta época o livro de “Albeitaria” de mestre Afonso Esteves, natural de Santarém, bem como a versão portuguesa – aliás, recheada de referências a obras lusas sobre falcoaria e alveitaria – do “Livro dos Ofícios”, da autoria de Marco Júlio Cícero, em grande parte dedicada à animalicultura, que, por sinal considera o autor, arte nobre ao serviço do homem.

Era o tempo em que nos países alienígenas em relação à Península o alveitar era simultaneamente o ferrador, mas de facto sempre se registaram entre nós algumas destrinças: por via de regra, o ferrador nao passava de um mero ajudante, como aliás se encontrava consignado no quadro orgânico da instituição militar, o qual contemplava também o cargo de cirurgião, todos eles acompanhantes das tropas em estação ou em deslocações. De resto o próprio nome de alveitar veio a manter-se, no âmbito da força armada até princípios do século passado, mas, como se disse, a designação em si nada tinha de pejorativo; o alveitar era considerado socialmente como um técnico qualificado e, daí, justamente respeitado. Questões de semântica, já o dissemos… Comprovadamente, o primeiro profissional com tal título aparece-nos à volta de 1425, pouco mais ou menos na altura da publicação do livro de Frei Bernardo Português. Depois deste outras obras vão surgindo no espaço luso, como a coligida pelo Bispo Manuel da Costa da obra de citraria de Pêro Menino e da tradução do livro de Ayala e ainda, os volumes da colecção Pombalina dedicada, na sua maior parte, aos problemas de patologia aviária, à guarda da Biblioteca Nacional.

Contudo, morto D.Dinis, assiste-se a nova regressão: as guerras e as guerrilhas que se seguem e, talvez mais do que isso, o sonho do lucro fácil subjacente ao espírito das Descobertas e Conquistas enfraquecem o real impulso do Lavrador, ainda que, no sector limitado da equicultura, sob a égide de D. João II, se procure – por óbvias razões do foro militar pôr termo a tal estado de coisas recorrendo à importação de sementais a partir do Norte de África.

Mas nem a própria criação de cavalos se furta, no deambular lento da história, a sobressaltos, sendo já manifesta a sua queda na regência de D. Manuel, a ponto de nas cortes de Torres Novas, efectuadas em 1525 e, dez anos volvidos, nas de Elvas, ser chamada a atenção do monarca para o grau de desfalecimento em que se encontravam as coudelarias reais. Em consequência, são promulgadas, em 1538, medidas no sentido de remediar a situação, que não colhem êxito, o que faz com que o cardeal-rei D. Henrique faça publicar, a 22 Out. 1566, o “Regimento dos vedores de éguas”, ou seja o estatuto dos superintendentes de criação cavalar, o qual passa a funcionar de regulamento geral das Coudelarias Reais – posteriormente publicado, com força de lei, em 14 Fev. 1569 e reformado, primeiro, em 23 Nov. 692 e, depois, em 13 Out. 736, já no reinado de D. Sebastião – em que, entre outras matérias, se prescreve o regime higio-técnico a observar no maneio de equídeos, inclusive no que concerne à alimentação e terapêutica.

Não dura, porém, muito a animação registada nos arraiais equestres, pois não tarda que, com a ocupação castelhana, se abra de novo um hiato no nosso universo agrário, designadamente no domínio do armentio equino, impiedosamente desbastado pelo ocupante para fazer face às necessidades militares. Assim se completa, com a usurpação filipina – que pesou sobre Portugal por seis longas décadas – o quadro de nova derrocada da agro-pecuária nacional.

Tirante isso, o século XVI nao se notabiliza, no campo da Medicina Veterinária, nem pelas artes nem pelas letras; a literatura da especialidade é constituída quase que tão-somente pelas traduções ou compilações de obras castelhanas, mas no seguinte a situação melhora, registando-se em 1616 a publicação da obra de Diogo Fernandes Ferreira sobre a “Arte da caça em Altanaria”, que, ao fim e ao cabo, nao representa praticamente mais que a reprodução dos os escritos de Pêro Menino e de Lopes de Ayala.

Dissemos que, “de jure”, data de 1425 o primeiro registo do mester de facultativo veterinário, mas, na verdade, só seis anos depois, em 1431, no decurso das cortes de Évora – governava o rei D. Duarte – foram codificadas regras concernentes tanto ao exercício do alveitarato (ainda sem a sequela da evolução semântica … ) como do ferrador , as quais previam já, num caso como noutro, exame prévio de habilitação. Reajustadas a 23 Nov. 1692, foram estas regras de novo alteradas a 13 Out. 1736 quando da constituição das Juntas Comarcãs, (integradas, como se sabe, pelo juiz-de-fora, corregedor e capitão-mor) às quais, estava confiada, entre outras coisas, a superintendência das coudelarias provinciais que albergavam cada uma, um universo de 33 reprodutoras e um semental. Em Espanha, com a instituição do Tribunal da Protoalbeytaria pelos Reis Católicos, o múnus de curador de animais deixa de ser ofício de livre prática para se tornar profissão passível de estudo, aprovação em exame e obter título de licenciado. Em Portugal, pelo menos até a fundação, em 1830, da Escola Veterinária a aprendizagem era feita não só ao longo da leitura de obras da especialidade, nacionais ou estrangeiras – com primazia das que iam vendo a luz nos prelos do país vizinho – mas também através de estágios, com a duração nunca inferior a quatro anos, realizadas a par de oficiais de igual mester (com o limite de dois aprendizes por mesteiral), ao fim dos quais eram apresentados a provas teóricas, realizadas por via de regra na casa da Câmara, perante um júri de dois examinadores, seguidos das práticas, efectuadas no domicilio de um deles. Recebido o diploma e após leitura do juramento hipocrático pelo candidato e consequente registo na almoçataria do documento, era extraída certidão destinada a ficar obrigatoriamente exposta, conjuntamente com a tabela de honorários, na residência do facultativo. Porém, no que concerne ao ensino colectivo, teria sido pela primeira vez ministrado em Portugal na Universidade de Évora.

“Tempus fugit”, o tempo voa: para finais do século XVII, vinte e sete anos cumpridos de luta pela liberdade, passado que foi o período da Restauração, sobretudo mercê das providências mandadas tomar por D. João IV, a criação de gado, mormente cavalar, renasce como fénix das cinzas, começando a registar-se, de imediato, o efeito das medidas instauradas pelo Restaurador, mais tarde ampliadas, no terceiro quartel do século seguinte, (1772) pela Reforma Pombalina com a criação, na faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, da cadeira de Historia Natural (fig.14) não tardando que a própria Academia de Ciências se comece a interessar pelo problema da criação de gado, designadamente, em 1787, com a organização de um debate alargado sobre o maneio de porcos das campinas além do Tejo e em redor das epizootias que por lá deles davam conta.

Entretanto voltam à liça escritos de índole equestre, ligados invariavelmente tanto do foro médico como cirúrgico, sendo curioso registar o facto de, por essa altura, um português de nascimento, ainda que ao serviço de Castela, João Alvares Borges, desempenhe por espaço de sessenta anos o cargo de proto-alveitar ou alveitar-mor do pais vizinho (cfv. artigo do Prof. Sanz Egana publicado em 1940 in “Revista de Medicina Veterinária” ) e a quem se deve uma obra, notável para o tempo, sobre “Practica y Observationes pertencientes al Arte de Albeytaria” (fig.12). Coevo de Borges foi António Pereira Rego, considerado como o melhor profissional do seu tempo, que, por sua vez, dá à estampa, em 1679, o trabalho a que chamaria de “Instruçam de Cavallaria de Brida”, sucessivamente reeditada em 1693, 1712, 1717 e 1731, que, para além dos prolegómenos de arte equestre, aborda, de espaço, problemas de foro médico ou de outras disciplinas como higiene e exterior do cavalo, enquanto que, um ano antes, (1678) António Galvão de Andrade dá a público a “Arte de Cavallaria, de Gineta, Estardiola, Bom Primor de Ferrar e Alveitaria”.

historia_medicina_verinaria_13

Chegados a 1709, regista-se o aparecimento da “Arte de Curar os Bois”, de Manuel Martins Cavaco, já lembrada no preâmbulo. Trata-se de um pequeno volume, relativamente não muito importante, em que “se declaram 47 enfermidades a que qualquer rez vacuna está sujeita”, igualmente disponível na Biblioteca eborense. Depois – em edições de 1736 e 1762 – vem a terreiro António Dias Ramos com o escrito que nos serve de portada, o qual, ao que parece, ainda hoje não é difícil encontrar na prateleira de antigas casas agrícolas do Alentejo e que de modo algum pode ser postergado em relação aos demais livros da época, tanto no que respeita à fisiologia e patologia bovina como no que tira à respectiva anatomia, ainda que, no que diz respeito às últimas disciplinas, as conclusões sejam em grande parte decalcadas da congénere humana, ao invés do que sucede, por exemplo, com o Dr. Duarte Madeira Arrais, médico da corte de D. João IV, ao elaborar a “Hipiátrica Notícia” (1640 – 1652), que sem dúvida, constitui o mais notável trabalho da época sobre problemas da saúde animal. Ainda desta época, pode encontrar-se na Biblioteca Pública do Porto, um manuscrito de ignoto autor intitulado de “Alveitaria Perfeita” e outro escrito inédito, do mesmo jaez, atribuído a Luís Gonçalves.

Entretanto, acompanhando o rodar dos tempos, não tarda que surjam em cena originais, traduções ou adaptações de edições francesas, italianas ou inglesas, como por exemplo das obras de William Cavendish sobre matéria médica animal, muitas das quais, por sumidas na poeira do tempo, não chegaram até nós. No entanto, entre os trabalhos que foram objecto de tradução figura o “Livro de Cavallaria” do italiano Galleazo, o dos espanhóis Pedro de Aquillar e Gualter ou, ainda, o “Compêndio de Albeytaria” do galego Fernando de Sange y Lago, composta por volta de 1717 (fig.11). De raiz nacional há que mencionar a obra intitulada “Luz da Liberal Arte de Cavallaria”, atribuída a Manuel Carlos de Andrade (embora supôr-se que, na realidade, seja da autoria do Marquês de Marialva), publicada em 1790 e abordando, para além de temas ligados à equitação, assuntos relativos à fisiologia, anatomia e exterior do cavalo, sendo notório, como aliás em outros trabalhos da época, a influência da obra do aragonês Domingo Royo, publicada em 1734 com o título de “Lhave de Albeytaria (já agora, e a propósito do Marquês, de passagem se diga que a celebrada “Arte de Marialva”, tão badalada através do nosso toureio equestre, se resumia afinal na “monta à gineta”, isto é, feita com curtos estribos e que por “ginete” se entende não só o cavalo pequeno e de boa raça, mas também se designava outrora o cavaleiro armado de lança a adaga).

Com os alvores do século XIX, assiste-se ao nascimento, sobretudo no domínio da equinicultura, de nova era caracterizada por um mais judicioso aproveitamento dos conhecimentos científicos, registando-se, de imediato, o progresso considerável da ciência agrária, progresso a que não é alheio o interesse dos homens de Estado que ao tempo detinham entre nós o poder político. Todavia, é de referir que ao longo da segunda metade do século precedente já vinha a germinar a ideia da instituição do ensino médico veterinário com cunho marcadamente científico, mas, na realidade só nos princípios do século XVIII D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, propõe ao Príncipe Regente, mais tarde o rei D. João VI, pouco antes da transferência da corte para o Brasil, a fundação de duas escolas técnicas, vocacionadas uma para o ensino agrícola e outra para o de medicina veterinária; Porém, em consequência da invasão francesa, o projecto não vai avante e só em 1819, a instância exactamente do Marquês de Marialva, então nosso embaixador em Paris, segue para França, a estagiar na faculdade de Medicina Veterinária de Alfort, um grupo de seis pensionistas dos quais apenas quatro viriam a completar o curso: Viana de Resende, Carvalho Villa, Francisco de Jesus Figueiredo e António Filipe Soares.

Consolida-se então a ideia de fundar em Lisboa uma escola de Medicina veterinária de índole militar, onde aqueles recem-licenciados seriam investidos no papel de mestres, mas, com a morte do Marquês e com o facto de Viana de Resende e de Filipe Soares terem sido colocados em unidades de cavalaria do Exército, em lugar de nenhum relevo, pouco de acordo com o respectivo currículo, e de Carvalho Villa e Jesus Figueiredo destacados a prestar serviço na Enfermaria-Geral do Exército, que viria a estar na origem do Hospital Militar Veterinário, o projecto não vai avante. Na verdade, desvanecida a ideia da docência e fortemente desencantados com as funções que lhes haviam sido cometidas, Carvalho Villa e Viana Resende requerem a exoneração para se dedicarem, o primeiro à cirurgia e o segundo à medicina. Pouco depois, 1828, Viana de Resende regressa a Alfort, onde vem a ocupar o cargo de professor-assistente, ainda que por pouco tempo, dado ter optado pela carreira de médico. Na verdade, forma-se em Paris, defendendo tese, em 31.04.1831, com o trabalho “Dissertation sur la Rage”. Quanto a Carvalho Villa, apesar de médico distinto, nunca abandonou a profissão de médico veterinário, devendo-se-lhe as primeiras publicações de caracter científico feitas por veterinários portugueses, além de ter vertido ou adaptado para a nossa língua trabalhos sobretudo de autores franceses. Não fica por aqui todavia, a inquietude de Resende: regressa à Pátria e, a tempo inteiro, à anterior profissão, partindo depois para Angola, onde também não cria raízes.

Por fim, a Escola Militar Veterinária acaba por se tornar realidade e instalada na Luz, arrabaldes de Lisboa, paredes meias com o Colégio Militar, por decreto de D. Miguel, de 29 nov. 830, em que se determina para os professores a patente, e a competente retribuição de alferes, aos alunos do primeiro ano, as de soldado, de cabo aos do segundo, aos do terceiro de furriel e, finalmente, aos do quarto de sargento.

historia_medicina_verinaria_14
Fig. 13 Dr. João Januário Viana de Resende.

Mas será sol de pouca dura: com a eclosão da guerra civil entra em desagregação, acabando, já em pleno governo liberal, por ser transferida, por decreto de 8.Ago.833, e a pretexto da garantia de melhores condições de funcionamento, para o edifício do Convento dos Padres Brunos, da rua do Salitre, onde permanece até 1855, i.é., até à criação do Instituto Agrícola onde é incorporada. São designados professores Carvalho Villa, Filipe Soares e o espanhol Afonso Ollero, colocado anteriormente como médico veterinário do regimento de cavalaria de Castelo Branco. A população discente era de doze alunos e o “numerus clausus” de dezasseis.

No entanto, as vicissitudes não param: face à manifesta incapacidade do comandante, a escola não anda nem desanda, entrando em declínio; o número de alunos diminui rapidamente, acabando por ficar, em 1835, reduzido a dois: Isidoro José Machado, (mais tarde lente de Anatomia) e Francisco José Pinto, que se mantiveram matriculados no único propósito de justificar a existência do estabelecimento.

O curso tinha a duração de quatro anos e incluia as seguintes disciplinas: Anatomia Geral e Descritiva, Fisiologia e Exterior; Farmácia e Matéria Médica; Higiene, Terapêutica e Doenças Epizoóticas; Patologia Externa e Interna, Medicina Operatória e Clínica.

Confrontado de novo com o diminuto rendimento da Escola, o Marquês de Sá da Bandeira, ao tempo ministro da Guerra, confia a Viana de Resende – na sequência da portada de 25 Nov. 1836 – a elaboração de um projecto de reforma do ensino, que eleva de um ano o curso e impõe a obrigatoriedade, ao concluílo, de apresentar e defender tese. Ao estabelecimento é dado o nome de Escola Nacional e Real de Economia Rural Veterinária. Mas, não obstante o cuidado posto por Resende ao formular o arquétipo do diploma, o projecto é rejeitado “in limine”, por manobra do comandante da Escola, a pretexto de, sem contrapartida, se agravar as despesas de funcionamento e … ferir os interesses dos oficiais (inclusive do comandante… ), que prestavam serviço no estabelecimento. De harmonia com o plano de Resende, a Escola deixada a tutela castrense e entre outras disposições tinha por vedado o exercício de clínica a quem não possuísse, para o efeito, título de habilitação legal.

No que diz respeito à sanidade, recorde-se que na segunda metade do século XIX, para além do aparecimento de graves epidemias, como a do “cólera morbus” (1853-56 e 1865), febre amarela (1856-58 e 1860) e da peste bubónica (1899), surgem também fortes surtos de epizootias e epifitias. No âmbito da saúde pública o diploma básico é aquele que cria a 3 Jan. 1837, na sequência de setembrismo, o Conselho de Saúde, a quem são atribuidas funções quer de caracter deliberativo quer executivo sobre matéria sanitária.

Subjacente à integração da Escola Veterinária no Instituto Agrícola (decreto de 6 Dez. 1855) nasce o Conselho Especial de Veterinária, composto pelos lentes e presidido pelo director, ao qual fica cometido não só a direcção do então criado Hospital Veterinário, anexo ao Instituto Agrícola, como também a missão de “entender em todos os objectos concementes à saúde, polícia e hygíene pecuára” e “inspeccionar todos os estabelecimentos pecuários pertencentes ao governo” (artº 10). Sete anos depois (decreto de 12 Mar. 1862), com a criação de intendências de pecuária de índole distrital, nota-se um esquisso de regionalização e, nessa conformidade, é publicado o respectivo regulamento, contemplando, entre outras condições de funcionamento, regras de natureza sanitária.

Entretanto, reinava D. Maria II, é instituída, por decreto de 13 Jan 1836, na Academia Politécnica do Porto, a cadeira de Botânica, Agricultura, Economia Rural e Veterináda, e, pouco depois (decreto de 5 Fev.) a raínha fazia acrescentar ao plano de estudos relativo ao 4º ano da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, as disciplinas de Anatomia e Fisiologia comparadas, Zoologia, Agricultura, Economia Rural Veterinária e Tecnologia. Um ano decorrido, mais precisamente a 14 Jan. 1837, é extinta por portaria a Academia de Fortificação e Desenho e instalado em sua substituição, na Luz, paredes meias com o Colégio Militar, a Escola do Exército, onde, é integrada de imediato a Escola Veterinária, com um efectivo de três docentes e um discente porque, na realidade, o curso deixara de ser aliciante, não só devido ao nível das habilitações académicas exigidas para o ingresso, mas, por não se mostrar compensador o exercício. Em conclusão: volta tudo à estaca zero.

Para obviar a situação, foi então deliberado promover, em 1839, a matrícula de alguns alunos da Casa Pia, entre os quais Ferreira Lapa e Silvestre Bernardo Lima, lentes mais tarde de alto gabarito, o primeiro, como anatomista, regendo cadeira até 1870, o segundo, colocado à frente da cátedra de Zootecnia onde ganhou nome e renome, a ponto de vir a ser considerado o primeiro zootecnista da Península. De igual modo, ficou desde logo assente que, de futuro, à medida que fossem vagando os cargos de docentes ocupados por militares (a quem, na verdade, só preocupavam os problemas relaccionados com os serviços de remonta do Exército) seriam os mesmos providos por recém-formados, indo deste modo ao encontro, na letra e no espírito, do inscrito no preâmbulo do decreto D. Miguel de 1830 (instituindo o ensino superior autónomo de Medicina Veterinária) no qual, após se sublinhar a importância do papel do médico veterinário no campo das necessidades castrenses, não deixava de referir que “convinha igualmente que estes conhecimentos se generalizassem, para utilidade pública, na conservação e criação de toda a espécie de gado cavalar, vacum e lanígero, com o estabelecimento de uma Escola Veterinária…”

Neste interim, de novo vem à baila o já calisto problema da rendibilidade do ensino, conjugado agora com a carência de médicos veterinários nas fileiras do Exército, factos que levam o Duque da Terceira, na altura presidente do Ministério, a apresentar, nas cortes de 1842, um novo plano de ensino, posteriormente regulado por decreto de 23 Nov. 1845, atribuindo ao curso a duração de três anos e um projecto de estudos constituído por quatro grupos de cadeiras, englobando Anatomia e Fisiologia Comparadas; Patologia Clínica e Terapêutica; Partos, Operações e Extedor; Higiene, Farmácia e Matéria Médica, cuja regência foi entregue a um grupo de professores formado por Ferreira Lapa, Bernardo Lima, Isidoro Machado a Afonso Ollero. Quanto a preparatórios, estes seriam os mesmos que os requeridos para ingresso em Medicina, ou seja Português, Francês, Aritmética, Geometria, Física, Química, Desenho e Introdução à História dos Reinos Animal, Vegetal e Mineral.

Passaramse dois anos e em 1847 é novamente alterada a orgânica da Escola: o curso cresce para quatro anos e o programa é acrescido de duas disciplinas: Ciências Fisicoquímicas e Agricultura, restringindo-se os preparatódos a Português, Francês e Aritmética. Entretanto, jubila-se Afonso Ollero e é substituído por José Maria Teixeira, sendo igualmente por esta altura (1848) que o corpo docente se desloca em bloco ao estrangeiro, em missão de serviço, a fim de recolher os elementos necessários à elaboração de circunstancial relatório com vista à instituição em Portugal do ensino superior agrário, de harmonia com o que de há muito vinham preconizando nomes como Viana de Resende, Avelar Brotero, Bernardo Lima, Ferreira Lapa e Bonifácio de Andrade. Todavia, o anseio só viria a tornar-se realidade embora durante ainda o reinado de D. Maria sob a égide do primeiroministro, marechalduque de Saldanha, através da criação, a 17 Ago. 1852, do Ministério das Obras Públicas, Comércio e lndústria, mais precisamente através da repartição Agrícola, em boa hora entregue aos cuidados de Morais Soares.

Foi, de facto, o primeiro grande passo para a instauração do ensino agrário entre nós, que contou desde a primeira hora com o entusiasmo e decisivo apoio do Dr. José Maria Grande, médico, professor, figura prestigiosa do Constitucionalismo e que viria a ser o primeiro director do Instituto Agrícola, oficialmente inaugurado a 16 Dez. do mesmo ano, pondo fim à velha escola da rua do Salitre, de pronunciada raiz militar, através da sua integração (decreto a 6 Dez. 1855) no novo estabelecimento de formação profissional agrária. Segundo este diploma eram previstos para o sector três graus de ensino: o elementar, o médio e o superior, este, a professar no Instituto com um programa pedagógico em que figurava entre outras cadeiras, a Zootécnia, encarada já como a ciência do maneio animal, desde o nascimento até à morte (matéria, aliás, anteriormente abordada, ainda que perfunctoriamente, no âmbito da higiene pecuária).

Inicialmente dirigida pelo eminente zoólogo que foi Barbosa du Bocage, passa depois a ser gerida, até que se consume a separação dos cursos de Agronomia e Veterinária, por Silvestre Bemardo Lima. A incorporação da escola Militar Veterinária no Instituto Geral de Agricultura (ex-instituto Agrícola) embora deliberada “de jure”, para se ampararem mutuamente, a verdade é que “de facto” foi sobretudo para servir de esteio ao Instituto que foi tomada. De qualquer modo, estava definitivamente instituído em Portugal o ensino agrário, apoiado no trabalho realizado em 1858 por Bernardo Lima e José Maria Teixeira, após o périplo por vários países da Europa a cuidar de saber o que, neste particular, se passava além fronteiras. (José Maria Teixeira, para além de eminente patologista, foi o organizador do Hospital Veterinário, mais tarde extinto e restabelecido após a Grande Guerra de 1914-18). O Instituto é então dividido em três secções: Veterinária, Agronomia e Sivilcultura, prevendo-se que a primeira voltaria a ser de cinco anos (enquanto o de Agronomia se queda pelos três) e com a obrigatoriedade de apresentação de tese final. Paralelamente, é de novo instituído o curso médio de mestre-veterinário de dois anos. Com a criação deste curso, Agronomia ficou prejudicada e mais ainda com a do Campo Experimental da Granja do Marquês, em Sintra.

A partir da Regeneração, o Liberalismo decidiu-se a intervencionar o movimento associativo dos agricultores no sentido de ampliar o fomento agrário, designadamente com a criação, em 1852, com Fontes Pereira de Melo, ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, cuja vertente agrícola vai dar o tiro de largada ao processo desenvolvimentista da nossa agropecuária.

Bem sintomático do estilo de actuação do fontismo é a criação das sociedades agrícolas (decreto de 23 Nov. 1854) em cuja área os elementos da administração pública central ou distrital vão participar lado a lado com os agricultores. É precisamente através dessas verdadeiras sociedades mistas de desenvolvimento – cuja secção primeira se ocupava precisamente “de indústria pecuária, prados naturais e artificiais” – que o governo a partir de 1858, irá canalizar subsídios, destinados nomeadamente à compra de reprodutores, sendo de destacar neste particular o papel desempenhado pela Quinta Experimental de Agricultura, instalada nos terrenos da Quinta do Marquês, onde hoje se encontra implantada a antiga Base Aérea nº1, para a qual, por exemplo, foram importadas em 1863 quatro vacas e um touro Aldemey para beneficiamento de raças indígenas de alguma aptidão leiteira, reflectindo pela primeira vez a preocupação estatal no que respeita ao ensino técnico agrário relaccionado com a produção de leite e de lacticínios. Por outro lado, não se deve esquecer ainda o papel pedagógico exercido pelo Estado através das revistas agricolas, oficiais ou oficiosas, com destaque para o “Archivo Rural” (1852-76), fundado por Moraes Soares, e para o boletim que lhe sucedeu, o “Jornal Official de Agricultura” (1877-81).

Tratava-se de boletins geralmente de caracter quinzenal onde vinham à ribalta relatórios e informações de carácter oficial desinibidos todavia do cinzentismo da retórica oficial. Eram jornais de bom combate em prol de uma idéia autocrática de desenvolvimento agrário.

Uma década após a instituição do Ministério das Obras Públicas, Comércio e lndústria, esboçava-se, como dissemos, uma política de descentralização administrativa que iria começar, em 1862 pela criação das intendências de pecuária de âmbito distrital, cada uma delas sobre a égide de um médico veterinário, e da publicação, em 1877, do Regulamento de Agricultura Distrital.

A organização dos serviços centrais do sector pecuário adquire também um ritmo novo. Em Julho de 1886 surge na Repartição de Serviços Agricolas, uma secção especializada a qual viria a ser transformada, em 30 Jun. 1898, na Repartição dos Serviços Pecuários e, anos depois, em 1918, quando da criação do Ministério da Agricultura, na Direcção dos Serviços Pecuários, que, por sua vez, passa no ano seguinte a nível de direcção-geral, sendo de referir ainda a criação, a 24 Dez. 1901, da Estação Zootécnica Nacional, instalada a partir de 1913 na Fonte Boa, Vale de Santarém, e em 1915 do Laboratório de Patologia Veterinária, sediado em Benfica e elevado a categoria de Central em 1931. Também, em 1886, por decreto de 16 Dez., é constituída a Junta Consultiva de Saúde Pecuária, na dependência da Direcção-Geral de Agricultura, composta de técnicos e docentes com capacidade quer para dar parecer sobre assuntos relaccionados com a polícia higiénica e sanitária quer para proporao Governo as medidas que tivessem por convenientes sobre a matéria. Mas é o Regulamento Geral de Saúde Pecuária, Polícia Higiénica e Sanitária dos Animais, aprovado por decreto a 7 Fev. 1889 que vai, globalmente, estruturar a orgânica e as condições de funcionamento do sector de sanidade, registando-se, na sequência, a publicação de outros importantes diplomas, como, a 24 Abr. 1891, da portada reguladora da inspecção de vacarias dentro do perímetro urbano de Lisboa, dos decretos de 29 Out. 1891 e 1 Dez. do ano seguinte, reformando os serviços de saúde pecuária e, em 14 Set. 1900, do decreto regulamentar dos serviços de sanidade pecuária de Lisboa. É ainda de referir os sucessivos diplomas sobre a defesa de qualidade do leite: o de 29 Set. 887 (portaria contemplando a produção e a venda de leite para consumo em natureza), o de 21 Mai. 896 (sob a forma de carta-de-lei, com as regras de fiscalização de leite destinado à venda ao público, regulamentada posteriormente através do decreto de 30 Jun. do mesmo ano) e, finalmente, o diploma de 23 Dez. 899 (igualmente promulgada como carta-de-lei e mais tarde regulamentado pelo decreto de 14 Set. 1900, abordando mais de espaço os problemas de fiscalidade da venda de leite e lacticínios).

Com o fim da velha escola do Salitre – que de 1830 a 1855 forma 27 médicos veterinários entre os quais se salientam os nomes, para além de Ferreira Lapa (1843) e Bernardo Lima (1844), de José Maria dos Santos (1851) e Gualdino Gagliardini (1855) e a partir da sua integração (decreto de 5 Dez. 855) no Instituto Agrícola (ainda que só três anos após a saída do diploma), o panorama tende a modificar-se tanto no plano oficial como no privado, sendo de registar neste domínio a iniciativa do Conde de Sobral apaixonado equitador e grande equínicultor de Almeirim, no sentido de propor aos pares das redondezas a constituição de um agrupamento mutualista com o fim de assegurar a necessária assistência clínica às respectivas explorações. A proposta é aceite, sendo entregue o encargo ao cuidado de Dionísio Saraiva (fig. 15), que por tal razão entra nos anais como o primeiro médico veterinário civil a exercer a título privado o mester. O exemplo frutifica e, sem tardança, começam a surgir, aqui e além, idênticas mútuas, que viriam a ser não só o embrião dos futuros partidos municipais como, por extensão, dos próprios serviços oficiais, projectados no propósito não só de garantir a vigilância sanitária do espaço nacional como ainda equacionar os problemas relaccionados com o fomento pecuário e assegurar também a necessária assistência à produção, tudo isso, aliás, de acordo com o disposto no decreto de 16 Dez. 852, que esteve na origem do Instituto Agrícola.

Pouco depois, é a Câmara Municipal de Lisboa que resolve estabelecer um serviço de inspecção sanitária em feiras, mercados e matadouros situados na área da sua juridição, que vem a ser o primeiro de perfil camarário a despontar aquém fronteiras.

historia_medicina_verinaria_15
Fig. 15 Dionísio António Saraiva, Director da Coudelaria Nacional do Sul, de 24 de Janeiro a 8 de Outubro de 1891, Director da Coudelaria Nacional, de 9 de Outubro de 1891 a 23 de Janeiro de 1902.

Todavia, o marco fundamental de todo o processo viria a ser a publicação do “Regulamento da Polícia Municipal e Sanitária das carnes verdes de Lisboa”, aprovado pelo decreto de 15 Jan. 857, em que, nomeadamente, se determinava que “todas as rezes vivas de qualquer espécie, destinadas ao consumo dos habitantes de Lisboa, serão exclusivamente mortos e cortados no matadouro público da Câmara Municipal, à excepção do gado suíno” (artº 10) e que “as rezes antes de abatidas, serão inspeccionadas por officiaes veterinários do matadouro” (artº 30). Entretanto, resolve também a Câmara, da presidência do dr. Sabino de Sousa (pai) erguer nas Picôas, à ilharga do Instituto, um grandioso imóvel para nele instalar o matadouro de Lisboa, considerado ao tempo como o melhor da Europa, cujas condições de funcionamento viriam a ser reguladas pelo decreto de 23 Jun. 869.

No campo do ensino – por diploma de 5 Dez. 855 – a Escola de Veterinária é integrada já o dissemos, no Instituto Agrícola, criado três anos atrás, em 16 Dez. 852 e estabelecidos “a latere” estabelecimentos regionais de ensino médico de dois anos, abrangendo, no primeiro, as disciplinas de Anatomia, Fisiologia, Siderotécnica, Exterior e Pequena Cirurgia e, no segundo, as de Patologia, Clínica e Farmacologia, outorgando-se aos formandos o título de mestre veterinário. Porém, este curso teve vida efémera, acabando por ser ministrado apenas em Lisboa no seio do próprio Instituto.

Quanto ao curso de nível superior, com a duração de quatro anos já sem carácter estritamente militar, provinha da fusão das disciplinas do foro médico e do foro agrícola com as de índole preparatória professadas na Escola Politécnica. O curso passava a orientar-se no sentido da formação de técnicos agrários de acordo com o novo plano de estudos, constituído pelas disciplinas de Agricultura Geral, Culturas Especiais, Engenharia e Artes Agrícolas, Economia, Legislação e Contabilidade Rurais, Zootecnia, Anatomia, Operações Cirúrgicas, Siderotécnica, Exterior, Patologia Geral, Patologia Especial, Clínicas, Direito Veterinário, Física, Química, Metereologia, Farmácia, Matéria Médica e Higiene Veterinária.

No que tange à organização dos serviços estatais de apoio à produção animal na sequência, aliás, do disposto no decreto de 21 Jun. 859 – prossegue a instalação dos diversos pelouros e, nesse contexto, regista-se, como foi anotado, a criação, a 12 Mai. 886, do cargo de veterinário distrital – germe dos vindouros intendentes de pecuária – a trabalhar em uníssono sob a égide do Conselho Especial de Veterinária esboço, por seu turno, da futura direcção geral – orgão colegial que, entre outras atribuições, detinha a responsabilidade da coordenação dos serviços regionais, tanto as ligadas ao sector da sanidade animal, como os relaccionados com as questões de fomento pecuário e, bom assim, da direcção do recém-criado (também em 21 Jun.) Hospital Veterinário – já sem qualquer cariz militar – anexo ao Instituto Agrícola. Quanto às Coudelarias Distritais, extintas em 1821 e restabelecidos pelo decreto de 1855, seriam transferidas para o quadro do Fomento Hípico, dependente do ministério da Guerra, de onde posteriormente passariam à alçada do ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI).

Número e valor do gado existente em cada distrito segundo arrolamento de 1870 organizado por Bernardo Lima

NÚMERO E VALOR DO GADO EXISTENTE EM CADA DISTRITO SEGUNDO ARROLAMENTO DE 1870 ORGANIZADO POR BERNARDO LIMA

Concretamente o intendente da pecuária, delegado do Conselho abarcava não apenas “as atribuições inerentes ao fomento da indústria pecuária” – as quais incluíam o “levantamento de cartas pecuárias, estudo da flora forraginosa e o recenseamento dos gados”, como também “atribuições sanitárias, policiais e higiénicas”, como “medidas de combate a epizootias e enzootias, editais públicos, vigilância de feiras, mercados e matadouros, inspecção de tanques e bebedouros públicos de gado e divulgação de preceitos e regras gerais de higiéne do gado”. O intendente de pecuária torna-se assim o primeiro elemento de regionalização do MOPCI, tanto mais que o regulamento de Agricultura Distrital só vem a lume a 28 Fev. 877 com a criação do respectivo Conselho, integrando o intendente a par do agrônomo e encarregando-o, sem prejuízo das referidas atribuições, de reger, no âmbito das chamadas Quintas Distritais, anexas ao Conselho, um curso de Zootécnia.

Porém, este esquema de regionalizações dos serviços agrários não vingou. A excessiva descentralização dos serviços levou à fragmentação da cadeia de comando: o espírito de coesão diluí-se, e a unidade de acção naufraga.

Confrontando os marcos do percurso, nem sempre foi de rosas o caminho (e, como mais adiante se verá, por vezes de pacífico pouco teve) face às más vontades e à mesquinhez, à inércia ou à rotina, por via de regra aliados à tradicional escassez de meios materiais. No entanto, a partir de agora sente-se como que um sopro vívificador a sacudir o conformismo reinante, o que de alguma forma se traduz na compra pelo Estado da Quinta da Bemposta, vasto tracto de terreno – onde hoje se ergue, além da Faculdade de Medicina Veterinária, a Polícia Judiciária, o Hospital de D. Estefânia e as instalações da antiga Escola do Exército – a fim de nela se implantar o Instituto Agrícola.

Outra efeméride digna de registo prende-se com a nomeação, a 7 Jun. 865 de Bernardo Lima para o cargo de Inspector Superior de Pecuária do Reino. É ele que vai ser o avisado coordenador geral do sector de sanidade animal, assumindo-se como charneira entre o ensino superior e as estruturas burocráticas, centrais ou periféricas, e o movimento associativo dos produtores. Graças a ele também é decretada em 1870 (diploma de 22 Jun.) a realização do primeiro arrolamento geral de gado (cujos resultados vem a público três anos depois, (cfr. quadro), que constituiu para a época uma tarefa verdadeiramente ciclópica que só volvido meio século foi possível repetir.

Por isso e por mais, Bernardo Lima é bem o símbolo de uma geração de reformadores. Cientista e professor, soube como ninguém descer a cátedra e aplicar no terreno o fruto das investigações, tanto próprias como alheias, em estreita comunhão de um lado com os serviços oficiais e do outro com os lavrantes da terra.

historia_medicina_verinaria_16
Fig. 16 Joaquim Inácio Ribeiro, Professor da Escola de Medicina Veterinária.
historia_medicina_verinaria_17
Fig. 17 Ferreira Lapa, Emérito vulto na panorâmica das Ciências Agrárias.
historia_medicina_verinaria_18
Gualdino Augusto Gagliardini, Director da Coudelaria nacional do Sul, de 1 de Outubro de 1887 a 12 de Janeiro de 1891.

Mas outro acontecimento importante se regista, este no campo da luta contra as doenças do foro infecto-contagioso animal, com a instituição, formal, a 1 Jun. 882, da cadeira de Epizootias, acompanhada da nomeação, mediante concurso para o lugar, de Joaquim lnácio Ribeiro, anteriormente investido nas funções de director da Quinta Experimental de Agricultura, da Granja do Marquês. Cinco anos depois (lei de 1 Jun. 885) o plano de ensino da cadeira é acrescentado das disciplinas de Polícia Sanitária, Direito Veterinário e Medicina Legal Veterinária, igualmente confiados ao competente magistério de Ribeiro. Já então tinha lnácio Ribeiro seus créditos firmados no campo da Microbiologia, a ponto dos seus trabalhos, p.ex., serem adaptados como textos lectivos pelo professor Augusto Rocha na sua cátedra de faculdade de Medicina de Coimbra. Neste domínio deve-se a Ribeiro erguer, não obstante à carência de meios financeiros, ainda que ajudado pelos professores Antunes Pinto e Paula Nogueira, e pese a magreza das instalações (as do acanhado Laboratório de Química do Instituto) – o primeiro laboratório nacional de Microbiologia, posteriormente batizado oficialmente, na reforma de Emídio Navarro, de Laboratório Bacteriológico de Lisboa, mais tarde (1893) denominado de Real Instituto de Bacteriologia de Lisboa e, por último, com o advento da República, do Instituto de Câmara Pestana. Foi precisamente por este Instituto que passaram sucessivas gerações de médicos e de médicos veterinários, uns consagrados à investigação científica e outros entregues a meros trabalhos de rotina. Por lá, pontificaram eminentes professores, como o já citado Paula Nogueira, tendo também sido intra-muros que se aprofundou p.ex., a técnica da tuberculínização no diagnóstico da tuberculose animal e que pela primeira vez se produziram vacinas em Portugal: a da raiva primeiro, depois a anticarbuncolosa e outras. Porém, não se queda por aqui a operosidade de lnácio Ribeiro; já antes, em 1886, tinha posto mãos à obra no sentido de elaborar o primeiro Regulamento Geral de Saúde Pecuária, publicado em 7 Fev. 889, que ficaria a vigorar por dilatadas épocas e iria, nesse domínio, colocar Portugal em cimeiro lugar entre as nações.

O ano de 1886 é ainda o período das grandes reformas do sector agrário, sempre sob a batuta de Emídio Navarro. No entanto manda a verdade se diga que a alteração profunda que se regista no campo do ensino agrário, e que mais uma vez veio colocar Portugal na vanguarda, se fica a dever ao esforço e à competência de Ferreira Lapa (fig.17) e Augusto Gagliardini (fig.18) através da reforma de 2 de Dez. que transforma o Instituto Geral de Agricultura no Instituto de Agricultura e Veterinária.

De harmonia com o novo plano de ensino, passa a exigir-se aos candidatos à frequência do Instituto habilitações correspondentes ao curso geral do liceu, convindo contudo acrescentar que, embora o ensino continue a decorrer em comunidade, se regista uma especialização cada vez mais marcada dos cursos, aliás já delineado na reforma de 29 de Dez. 864 que contemplou a criação de quatro quintas regionais.

Refira-se, ainda, que neste ano, a 28 Jul. de acordo com a nova orgânica da recém-criada Direcção-Geral de Agricultura, são consideravelmente ampliados os quadros de pessoal técnico e auxiliar ligados ao sector da produção animal, mas os resultados não são favoráveis no que toca à eficiência dos serviços, facto que leva o governo à publicação de nova organização segundo a qual o país é dividido em doze regiões, nove no continente e as restantes nos distritos insulares, sendo também criada a Junta Consultiva de Saúde Veterinária. Viviam-se então os áureos tempos do consulado de Navarro, ministro da tutela de 28 Fev. 882 a 23 Mar. 889. Com ele se consubstancia uma nova era no campo agrário; são sete produtivos anos ao longo dos quais é profundamente alterada não só a orgânica como a funcionalidade dos serviços, não apenas dos ligados ao sector do ensino, mas de todos os serviços do Ministério relaccionados com o meio agrário.

No plano escolar p.ex., anote-se a instituição (lei 18.361) de 17 novas cadeiras, treze das quais de carácter técnico e as restantes de índole auxiliar e ainda a remodelação do laboratório instalado por lnácio Ribeiro, que passa a designar-se, como dissemos, de Real Laboratório Bacteriológico de Lisboa.

Deve-se ainda a Navarro – que, na verdade, foi ao tempo, o “pontífex maximus” da agropecuária nacional – a promulgação, igualmente em 1882, de vários diplomas decretando a criação de duas coudelarias de cariz nacional (22 Set.) e inspecção das vacarias existentes nas capitais de distrito (28 Out.), o levantamento da Carta Agrícola do País (18 Nov.) e a reorganização dos serviços agrícolas, criando o Conselho Superior de Agricultura e as juntas promotoras de melhoramentos agrícolas, com regulamento aprovado pelo decreto de 3 fev. 887.

Mas não pára por aqui a cornucópia de decretos e portadas: assim a 22 Abr. 87 aprovando o plano de organização da Escola Prática Central de Agricultura de Coimbra; a 22 Set., criando a Coudelaria Nacional do Norte, no Mogadouro, e a do Sul, em Pancas, e o diploma de aprovação do plano reorganizativo dos Serviços Coudélicos; a 21 Nov., aprovando o regulamento da Escola Prática de Agricultura de Viseu; a 18 Jul., aprovando o plano de organização da Escola Prática de Lacticínios de Castelo de Paiva e no ano imediato de mais três escolas especiais para o ensino prático de leitaria em Santarém, Viseu e Castelo de Paiva; a 10 Jun. é inaugurada a Exposição Pecuária de Lisboa, em Vale do Pereiro; a 3 Jan. 89, decreto de aprovação do plano geral, orgânico e regulamentar, dos serviços técnicos agrícolas; a 7 Fev., aprovando o Regulamento Geral de Saúde Pecuária, definindo parâmetros de actuação dos serviços no âmbito da sanidade animal e ordenando regras e conceitos da polícia sanitária, no intento, “de preservar os gados de todas as causas que possam comprometer a sua conservação ou provocar a sua desvalorização”, os quais vão perdurar por largas décadas; finalmente, a 14 Fev., já no termo de mandato, é publicado o decreto que aprova o regulamento do Hospital Veterinário de Lisboa.

Infelizmente, a inveja e a mesquinhez depressa se encarregam de postergar as medidas promulgadas por Navarro, mormente as relacionadas de alguma forma com a exploração animal e mais as que de perto ou de longe dissessem, respeito a médicos veterinários. Efectivamente, com a retirada de Emídio Navarro da vida política e a entronização de Elvino de Brito no cargo de director-geral, logo o novo patrono se sentiu à vontade para dar largas ao seu complexo, tão incompreensível como contumaz, por tudo quanto se ligasse ao sector veterinário. Daí que não tarde a conseguir de João Franco, o novo presidente do Ministério do Reino, o desmantelamento, quase peça por peça, de toda a arquitectura reformista de 1886, designadamente, através da publicação do decreto de 8 Out. 891 que, entre outras coisas, conduz à extinção no Instituto de três lugares de lente e, obviamente, dos respectivos cátedras – estranhamente das mais vocacionadas para o combate às epizootias; esbulha, acintosamente, do título de médico veterinário aos formandos, encurta o curso para três anos e, por fim, desapossa o Instituto – agora sob a regência de Reis Martins – quer do Hospital Veterinário de Lisboa quer do Laboratório de Bacteriologia (predecessor a partir de 1917, do Laboratório Nacional de Patologia Veterinária, ou seja do actual Instituto Nacional de Investigação Veterinária), passando o primeiro para a alçada do ministério da Guerra e o segundo para a Direcção-Geral de Agricultura. Três semanas depois, a 29 Out. sai o decreto de nova reorganização dos serviços agrícolas. Volta-se à divisão administrativa, substituindo a regional instituída em 1886.

Rude foi o golpe e longa a cicatrização, não obstante, “ab initio”, ter suscitado a mais viva condenação, não só, naturalmente, por parte dos médicos veterinários e professores do Instituto, mas também dos próprios médicos. A situação, que chegou a ser conflituosa, tomou-se insustentável apesar de Bemardo Lima e lsidoro Machado terem procurado aquietar os ânimos com a apresentação de novo projecto de ordenamento escolar. Mas em vão, os espíritos encontravam-se por demais exaltados, só se vindo a acalmar, por fim, com a entrada de Bernardino Machado para o Governo presidido por Hintze Ribeiro, em 1893, para sobraçar a pasta do MOPCI, e graças à intervenção apaziguadora do conselheiro Augusto José da Cunha, então director do Instituto, no sentido de levar o governo a rever toda a actuação com marca de Elvino de Brito.

Entretanto saiem da forja, em 1 Dez. 892 o decreto de mais outra organização do MOPCI. A direcção-geral de Agricultura passa a direcção dos Serviços Agrícolas, com 36 médicos veterinários no quadro, e a 10 Dez. do mesmo ano o decreto que passa a designar a Escola Central de Agricultura de Coimbra de Escola Central de Agricultura Morais Soares.

O ministério de Hintze toma posse a 22 Fev. 893 e logo a 11 Mar. sai a portada incumbindo o conselho escolar – que delega de imediato o encargo nos professores Cincinato da Costa e Paula Nogueira – de conceber um novo plano de ensino agrário posteriormente (6 Out. 893) convertido em decreto – que, além do mais, preconiza a restauração imediata da antiga cadeira de Epizootias, que de ora avante passa a chamar-se de Patologia e Clínica das Doenças Contagiosas.

Todavia a reparação proposta por Cincinato e Nogueira foi tida por insuficiente e, por isso, a 4 Nov. 897, após a saída de Hintze Ribeiro, é promulgada, uma série de diplomas repondo as coisas como se encontravam antes da entrada em cena de Elvino de Brito, o primeiro a 4 Nov. 897, com a nova organização do Instituto de Agronomia e Veterinária, depois, a 30 Jun. 898, três outros diplomas, também sob a forma de decreto, um criando a Comissão Superior dos Melhoramentos Pecuários, outro determinando que as direcções do MOPCI retomem as designações de direcções-gerais, e o terceiro reorganizando os serviços agrícolas. Em consequência regista-se em 899 o regresso à origem do Laboratório e não demora que o Hospital lhe siga as passadas.

Quanto a Inácio Ribeiro, diga-se de passagem, nem o facto de ter sido, desalojado à má cara da cátedra e excluído da direcção do laboratório que criara, e prestigiara, lhe diminuíram a auréola nem lhe apagaram os méritos a ponto, p.ex., do professor Serrano, consagrado lente da Escola Médica de Lisboa, o ter convidado, apesar de arredado já da vida académica, a presidir ao congresso de Anatomia (distinção, aliás, modestamente declinada).

A concluir o exame das consequências da passagem de Elvino de Brito pelo poder, mencione-se que o plano último de Nogueira e Cincinato, convertido, como se viu, mais tarde em decreto, por proposta de Bernardo Machado, iria manter-se sem alteração até à proclamação da Républica, em 1910. Volvendo, contudo ainda a 1893, o ano não termina sem que saia do prelo o livro – que justamente viria a tomar-se um clássico da literatura da especialidade – subscrito por Paula Nogueira, intitulado “Ensaio de Bacteriologia prática aplicada às doenças do homem e dos animais”, obra que ficou a constituir o primeiro manual de técnica microbiológica em português, redigido por um português e editado em Portugal, adoptado na altura por todos os laboratórios nacionais do sector. 1893 marca ainda o ingresso no quadro docente de lldefonso Borges, mestre notável de projecção mundial no domínio da Parasitologia e de Miranda do Vale, de créditos firmados na docência da cadeira de Exterior. Outros nomes, contudo, se destacaram ao longo do tempo, assim dos 67 médicos veterinários saídos do Instituto Agrícola e do Instituto Geral de Agricultura (1855-1886) destacam-se Augusto dos Santos (1860), Antônio Roque da Silveira (1869) e dos 137 diplomados pelo Instituto de Agronomia e Veterinária de 1886 a 1910, salientam-se os de João Viegas Paula Nogueira (1886), Bemardino Camilo Cincinato da Costa (1886), João Francisco Tierno (1888), Ildefonso Borges (1890), Luiz de Saldanha Oliveira Daun e Lorena (1890), José Miranda do Vale (1898) e Amâncio Augusto Coelho Sampaio de Andrade (1905).

Paralelamente, os diplomas legislativos vinham rolando em crescendo. Seria extremamente fastidioso aqui enumerá-los, dado que só no período que medeia entre o início do século e a altura que dissemos adeus a Gomes Freire (maio de 42) vieram a público, salvo erro, nada menos que 83 decretos, 10 portadas, 7 leis e 3 regulamentos abordando os problemas respeitantes quer à exploração animal quer aos produtos decorrentes dessa exploração.

A Monarquia afunda-se, a República é proclamada a 5 Out. 910 e, precisamente dois meses e dois dias decorridos sobre o advento do novo regime, i.é., a 12 Dez., vem a lume o diploma que conduz à separação dos cursos, o de Veterinária para um lado e de Agronomia e Sivicultura para outro. O primeiro, já com a denominação de Escola de Medicina Veterinária vai ocupar o imóvel onde funcionava o Instituto Geral de Agricultura, os outros, reunidos sob a sigla de Agronomia vão acantonar-se por fim (1917) em instalações expressamente construidos na Tapada da Ajuda.

Entretanto a Escola de Medicina Veterinária abandona definitivamente a tutela do ministério das Obras Públicas para ingressar no quadro orgânico do recém-criado ministério do Fomento, onde permanece até 1913, data em que, por força da lei que contempla a reorganização do ensino superior, transita para a órbita do ministério da Instrução Pública. Decorrido um lustro (1918) em pleno consulado sidonista, sendo ministro da Agricultura o prof. Paula Nogueira, regressa ao ministério agrícola, já com a designação de Escola Superior de Medicina Veterinária, acrescida de novas cadeiras e de novos professores e assistentes, mantendo a capacidade de atribuição do título académico de licenciado e readquirindo a faculdade de conferir a de doutor. Contudo, não se queda por aqui a ciranda: de novo regressa ao pelouro da Instituição Pública ainda que conservando a orgânica aprovada pelo governo de Sidónio Pais – conforme o disposto na portaria de 13 Mai 929, para, no ano seguinte (decreto 19081, de 2 Dez 30) finalmente ser incorporada, de parceria com os institutos superiores Técnico e de Agronomia, e de Ciências Económicas e Financeiras, na nova Universidade Técnica de Lisboa. O curso volta a ser de cinco anos, sendo abolida a tese final e mantidos os títulos académicos de licenciado e de doutor. Dois anos volvidos (decreto 21.991, de 16 Dez. 932) é publicado a nova orgânica da Escola: o número de cátedras sobe para doze, bem como o de cursos.

Um novo frémito percorria então o corpo exaurido da Nação. Algo, de facto, havia mudado: menos sáfaros os tempos, afigurava-se que o universo português havia lançado definitivamente às urtigas a tristeza apagada e vil que o consumia. De igual modo, o nosso pequeno universo veterinário sente-se abalado, de pronto reagindo ao reinante imobilismo: a direcção-geral, então chamada de Serviços Pecuários directamente ou através das estruturas regionais – intendências e organismos especializados de apoio: estações Zootécnicas Nacionais e de Fomento Pecuário, estabelecimentos coudélicos, Laboratório Nacional de Patologia Veterinária ou outros fez soar o tiro da largada para a profunda transformação que iria registar-se no vasto sector da animalícultura, com o apoio da recém-criada, em 1939, Junta Nacional dos Produtos Pecuários, organismo de coordenação económica, cuja prestimosa acção, tanto no domínio da produção do leite e lacticínios, como no campo das carnes, curtumes, lãs e dos produtos agrícolas nunca será demais encarecer.

Desafortunadamente, destes orgãos do aparelho de Estado quase não resta que a memória; em nome de critérios que no mínimo se tem por discutíveis, se acaso não foram extintos, foram pelo menos profundamente retalhados. Enfim, salmodiando tristemente um “de profundis”, aqui e agora se desfolha a flor de uma saudade…

Chegam finalmente a termo as nótulas que nos têm vindo a servir de bordão, alinhavadas nos verdes anos nos escabelos da Escola, singularmente salvos do abraço predador do tempo, embora acrescidos, naturalmente, de mais alguma roupagem algures forrageada. A história, porém, não termina ao virar da última página do palimpsesto; novas gentes e novos factos – sociais, políticos e profissionais – vieram animá-la, a nossa, a de Portugal, a do Mundo. Todavia, antes de dar por findo este lento deambular em redor das nossas raizes, há dois factos que julgamos não ser despiciendo deixar cair ao jeito de epílogo. Referimo-nos tão-somente de um lado ao alargamento do ensino de Medicina Veterinária a outros pontos do país, ao Porto, já na década de 90 e dois anos antes em 1988 à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e, do outro à publicação, uma trintena antes, a 5 Nov. 56, do decreto 40844, que veio abrir novos horizontes à profissão: o médico veterinário passava a ser, “de jure” (porque “de facto” já o era), para além do facultativo e do higienista, o técnico da produção animal ou zootecnista e, ainda, o esperto dos produtos de origem animal, como o leite ou os lacticínios, a carne ou o pescado, os curtumes ou as lãs ou, ainda os produtos avícolas.

Segundo este diploma, o currículo escolar é acrescido de novos cursos ou cadeiras: Higiene, Nutrição, Economia Pecuária, Fomento Pecuário, Tecnología do Leite e Lacticínios, Salsicharia e Inspecção de carnes e de outros produtos de origem animal e, ainda, do curso de Sociologia Rural. Da mesma lavra nasce o curso de Medicina Veterinária Tropical, que, a partir de 1 Junho, passa a ser condição “sine qua non” para os que acalentam a idéia de irem exercer no antigo Ultramar português. Tinha a duração de um ano e era constituído pelas disciplinas das Doenças Contagiosas Tropicais, Doenças Parasitárias Tropicais, Zootecnia e Fomento Pecuário do Ultramar.

Para além do que regista o translado, muito fica por contar (magras eram as fontes…) e de então para cá quase tudo ficou por dizer, tanto no que diz respeito aos eventos como no que toca aos homens que, transposta a porta arcada da Escola de Gomes Freire por ela saíram, depois, protagonizando os sucessos, e dando a público testemunho, grado ou miúdo, do seu trânsito pelo mundo. Destes se dirá apenas que pela Escola de Medicina Veterinária (de 1910 a 1918) e pela Escola Superior de Medicina Veterinária (de 1918 a 1936) se diplomaram 347 médicos veterinários, entre os quais se refiram os nomes de Artur Augusto de Figueiroa Rego (1914), Joaquim Pratas (1914), Joaquim Nazaré Barbosa (1918), António Jacinto Ferreira (1925), Manuel José do Souto Barreiros (1929), Arménio Eduardo França e Silva (1930), José Emilíano da Costa (1935), Jerónimo de Melo Osório de Castro (1934), Felipe Morgado Romeiras (1935) e Armando Moradas Ferreira (1936). O antigo Director-Geral dos Serviços Veterinários, Femando Fontes Pereira de Melo era licenciado por Milão (1917). Depois, muitos houve que franquearam os umbrais da memória, todavia, por demasiadamente próximos no tempo é talvez cedo ainda para trazer seus nomes sem arrastar o perigo da omissão ou então vir a pecar por excesso. Na verdade, recorde-se que já incerto autor de um dos livros do Antigo Testamento – o Sirácides – ainda que correndo o risco da redundância, começa por aconselhar para só “no dia final, dar a cada um segundo as suas obras”, para mais adiante insistir que “com a morte são revelados os feitos do homem” e, a rematar os seus juizos, dizer ainda que “antes do fim não se enalteça a bondade de ninguém, pois é no fim que será conhecido o homem”, querendo com isto prevenir ser desejável que, ao fim e ao cabo, as palavras não sejam nem maiores nem menores que o homem, i.é., que tenham a sua justa medida. Aos vindouros, por isso, passamos o testemunho de os trazer ao proscénio.

E para terminar como comecei socorro-me mais uma vez do “Thesouro dos Lavradores”, trazendo à colação a respectiva “protestação do author” que nos diz “se em alguma cousa nas conteudas neste livro assim nas authoridades e no mais, não hé minha intenção dar-lhes mais crédito do que se sabe tem”… Assim seja!

Fernando Marques (Médico Veterinário)



Notas:
(1) – Entre os Celtas, eram os saronídeos druidas que se ocupavam do ensino e, cumulativamente, do exercício da arte médico-veterinária.

Artigo transcrito do WebSite da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro

Skip to content